sábado, 7 de setembro de 2019

Privatizando (e, consequentemente, privando) o prefixo In de nossa Independência


Como é Dia da Independência do Brasil, vamos abordar na crônica-postagem de hoje o antônimo da palavra: falemos sobre dependência.
Segundo matéria de 1.º de agosto de 2019, do site Extra, baseada nos dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgados pelo IBGE, o número de desempregados no Brasil foi de 12,8 milhões de pessoas no 2.º trimestre. Apesar da ligeira diminuição de desempregados em comparação ao trimestre anterior, ainda há 12,8 milhões de brasileiros DEPENDENTES de uma política melhor de geração de empregos. Segundo matéria de 31 de outubro de 2016 do site Superinteressante, há uma drogaria para cada 3 mil habitantes, mais que o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Ou seja: há mais pontos-de-venda de remédios no Brasil do que de pão – são 54 mil farmácias contra 50 mil padarias. O site nos alerta que a máquina de propaganda da indústria farmacêutica, a irresponsabilidade de muitos médicos e a ignorância dos usuários criaram um novo tipo de vício, tão perigoso quanto o das drogas ilegais: a farmacodependência. E o número de farmacodependentes só aumenta a cada dia, a cada inauguração de uma nova matriz ou filial de empresa farmacêutica. Por falar em excesso de drogas e falta de pão, a matéria de 29 de abril de 2019 do site Observatório do Terceiro Setor, baseada no relatório internacional ‘O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2018′, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mostrou que a fome atinge 5,2 milhões de pessoas no Brasil (ou seja, o número de pessoas que passam fome no Brasil supera em 1,7 milhão a população inteira do Uruguai). Contabilizando: temos 5,2 milhões de brasileiros que DEPENDEM de uma política mais humana na distribuição de renda e de assistência social. Isso sem contar os crescentes números de DEPENDENTES químicos, de DEPENDENTES familiares, de DEPENDENTES de uma figura política para se endeusar e se proclamar, num olhar retrógado paternalista, como salvadora do país, etc. No variado grupo de DEPENDENTES que o Brasil sustenta com soberania agora surge uma nova super equipe: a dos políticos que, incapazes de uma boa administração (ao contrário: precisam de algo para esconderem uma governabilidade insossa e/ou cada vez mais desastrosa), DEPENDEM de ‘propagandismo autopreservativo com deturpamento moral e cívico’, DEPENDEM de manifestações e censuras absurdas para sustentarem um conservadorismo que não sustentam, uma moralidade que não mantêm e uma competência que nunca tiveram. Não é preciso pesquisas, pois proliferam-se as notícias desta DEPENDÊNCIA: político que declara DEPENDÊNCIA de manifestações pró-ele mesmo (e não pró-governo, pois, se não se governa bem, não há governo pra se defender) no dia da nossa InDEPENDÊNCIA, outros que praticam censuras e proibições em eventos de natureza artística, literária e independente agrícola, pois DEPENDEM disso para terem ao menos uma migalha dos conservadores mais radicais, já que os demais brasileiros já estão de saco cheio da evidente desgovernabilidade destes políticos eternamente DEPENDENTES de jogarem poeira onde não há para que todos deixem de reparar seus escritórios já cheios de obscuras sujeiras depositadas por debaixo do já e cada vez mais imundo tapete público (isso sempre me lembra cenas do filme “O cheiro do ralo”, excelentíssimo filme nacional, dirigido por Heitor Dhalia e escrito por Lourenço Mutarelli, em que o escroto protagonista, viciado colecionador e explorador e redutor de objetos de significativas lembranças afetivas alheias através da pechincha amarga e sórdida, diz a todos que o cheiro ruim do escritório de sua loja de penhores vem do ralo, até que uma das vítimas da pechincha implacável lhe diz que a sujeira vem do ralo e quem vai no banheiro é o protagonista, então o cheiro podre é dele, e não do ralo. Por sinal, me pergunto se, diante de tantos mecanismos de censura, filmes corajosos como "O cheiro do ralo" conseguiriam resistir à onda hipócrita moralista).
Nunca convivemos com tantos DEPENDENTES – na maioria, frios, calculistas e orgulhosos de sua ignorância à DEPENDÊNCIA exibida e proclamada - quanto nesses tempos atuais, amigos, e, como a DEPENDÊNCIA se torna algo cada vez mais comum, os seres DEPENDENTES mantêm-se sólidos e sórdidos em todas as esferas de poder, tanto que uma manifestação a favor do apoio às DEPENDÊNCIAS soberanas e em repúdio aos setores críticos independentes no Dia da InDEPENDÊNCIA do Brasil é um absurdo hipócrita bonito, visto como natural.
Contribuo com os manifestantes com meu cartaz irônico: retiremos o prefixo in da InDEPENDÊNCIA, defendamos a soberania do absurdo diário autoritário com simpatia estúpida e comemoremos a nossa DEPENDÊNCIA enrustida com o verde do dinheiro que nos falta e lhes sobra e o amarelo do acovardar-se diante de uma crise séria de nossa identidade crítica e guerreira. Opa, palavras demais para um cartaz só; ninguém vai ler. Toquemos a profética música “Perfeição”, da Legião Urbana, composta por Renato Russo (já sei, vão chamá-lo de gayzista e esquerdista, aff), que, pelo menos, alguns ouvidos, ainda que meio surdos, vão entender:
“Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos covardes
Estupradores e ladrões

Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação

Celebrar a juventude sem escola, as crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos

Comemorar a água podre e todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo, nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia e toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir, não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão

Vamos festejar a inveja
A intolerância, a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isto
Com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou essa canção

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão

Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha que o que vem é perfeição”


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