Faz um tempo (mais uma vez) que eu não venho aqui. O fim de
recesso escolar foi um período acelerado: muitas conquistas, muitas
transformações, shows vibrantes, boemia necessária depois de um primeiro
semestre bastante tenso, participações culturais marcantes e perdas. Sim, por
mais que digamos não, somos seres humanos, falíveis e mortais: não nos
acostumamos, mas convivemos com grandes perdas. Parafraseando o meu antigo
poema “Árvores que morrem” (de meu terceiro livro “Note or not ser”), cada
noite que vivemos é um dia que morremos. E, neste período de recesso escolar, a
perda foi imensa, capaz de abalar o tradicional “levantar-se e seguir em frente”
– é difícil caminhar, os pés ficam pesados a cada passo, quando perdemos alguém
tão especial quanto Erli Gabriel, esposa do mestre mais que fodástico artistamigo Gilson Gabriel,
eterna anfitriã das festas líricas e boêmias da Quinta das Bicas, maravilhoso
quintal da casa do casal e abrigo de momentos marcantes do Sarau Solidões
Coletivas, das conversas poéticas, dos movimentos socioculturais, da alegria
mais espontânea e mais infinita. A aura de Erli Gabriel sempre transmitiu
felicidade inebriante, sendo capaz de sublimar quaisquer dores do corpo e da
alma. Mulher guerreira, amiga das boas causas e incentivadora da poesia mais
bonita dentro de cada um nós, Erli Gabriel agora descansa em algum lugar
especial, deixando a palavra saudade com um significado mais cortante e dando
às boas lembranças um sentido mais infinito.
O enterro de Erli Gabriel, na triste tarde de 26 de julho
foi um momento difícil, pesaroso. Durante o período em que se velava o corpo de
Erli Gabriel, a divartistativistamiga Ana Vaz, com aquele ar lírico observador
único que ela possui, percebeu que o bem-te-vi da Capela Mortuária cantava sem
parar, enquanto Erli se despedia sem se despedir. Meu coração estava enlutado e
abalado demais; naquele período eu nada vi nem percebi além da grande comoção
que a perda de uma grande amiga nos deixou. Ao fim do enterro, Ana Vaz me
contou sua observação e isso me lembrou mais Erli que a comoção anterior: o
canto do bem-te-vi mesmo no momento triste era mais o jeito feliz e poético do
espírito de Erli lidar com as coisas mais dilacerantes que toda – apesar de
infalível – onda de tristeza na qual nos mergulhávamos.
Logo depois do enterro, caminhei pela estrada de Cambota –
tenho esse lance meio “Forrest Gump” (a diferença é que eu ando, enquanto o
personagem do famoso filme corria) de, meio perdido, sair andando meio sem rumo
certo, apenas caminhar pelo desejo de não parar até que a exaustão traga um
paliativo para as dores, um certo cansaço vazio. Durante o caminho, me deparei
com bem-te-vis e o comentário de Ana Vaz e o desejo de registrar a partida de
Erli Gabriel de uma forma que fosse triste, ao mesmo tempo que feliz, pois ela
era alguém sempre de bem com a vida e um poema carregado apenas de tristeza não
traduziria o espírito livre, sutil e alegre dela, intensificou-se a tal ponto
que, como raras vezes fiz, escrevi uma elegia a Erli no celular enquanto
caminhava indiscriminadamente para lugar nenhum (prefiro sempre parar e
escrever à mão ou em frente ao computador – sim, mesmo diante das inovações
tecnológicas, sou um poeta quase primitivo; uma prova disso é insistir no blog,
apesar de tal plataforma virtual estar quase que completamente ultrapassada por
outras modas virtuais -, raras são as vezes em que escrevo um poema em celular;
o texto abaixo talvez seja o terceiro ou quarto, sendo que, por sinal, o
anterior fora escrito após uma marcante festa na casa de Erli e de Gilson Gabriel).
A elegia que escrevi a Erli chega atrasada ao blogue, mas
mantém o desejo de eternizá-la liricamente. Fiquei dias adiando a postagem,
hesitei, mas o blog sempre foi um registro de minha trajetória lírica e essa
perda foi marcante; por mais que evitasse, precisaria em algum momento
registrá-la nesse espaço lírico virtual que me serve meio como um diário
solitário coletivo.
Como declarou Ana Vaz: “Voou nossa Erli!! E cantou a manhã
inteira o bem te vi!”
Também cantemos, amigos leitores, cantemos que a nova ave
poesia eterna Erli gostava de canto, de festa, de vida, mesmo que sofrida,
mesmo diante de tantas esperanças e vidas perdidas.
Elegia é canto triste que em ti sorri
Para Erli Gabriel in memoriam ad infinitum
(E inspirado na lírica observação de Ana Vaz)
A música
ainda que triste
te sorri.
Vem cantar
pra ti
à capela
da capela
o bem te vi:
ó abre alas
abre asas
ave Erli.