domingo, 30 de junho de 2019

Reabrindo as asas da poesia: Os últimos suspiros de Ícaro nos olhos assustados de Dédalo


É isso, amigos leitores, mais uma vez re (re-re-re)torno ao blog, após novo desaparecimento. Por favor, entendam (ou melhor, ao menos, aceitem), tenho passado há anos por um processo de reavaliação acerca de tudo que defendi e me dediquei minha vida toda: arte, educação e diversão. O tempo vai passando e essa equação vai ficando complicada – minha arte passa por momentos de ceticismo lírico e desânimo alternado a efêmeros momentos de glorioso (mas, como já disse, passageiros) entusiasmo; o meu trabalho na educação vive um período de incertezas e necessidade de novas sustentações; a diversão às vezes é maravilhosa, mas a sensação de escapismo e vazios muitas vezes a esgota. Não sei o que esperar dos novos tempos (se é que os novos tempos são realmente novos ou apenas velhinhos retrógados querendo o fim de eras mais contemporâneas e antenadas com os novos paradigmas...)... O socrático “Só sei que nada sei” nunca fez tanto sentido como atualmente; desconfio de tudo e mais ainda de mim mesmo. Sim, também não me sei. E, nesse ponto, fica difícil às vezes vir aqui ao blog, publicar, escrever, sem me sentir, ao mesmo tempo que uma teimosia, um senso de resistência lírica lateja em meu coração, Por isso, retorno com um poema premiado meu, premiado com publicação há algum tempo atrás, mas, por algum louco motivo ou estranho esquecimento, eu ainda não havia publicado no blog. Sim, há outros recentemente premiados e ainda não postados, há muitas solidões líricas de artistamigos e artistalunos para serem compartilhadas; apesar da crueza do dia a dia, ainda existe muita poesia! E, por isso, mais uma vez, voltei, e muitas vezes mais sumirei e voltarei, sempre voltarei.
O poema de hoje, “Os últimos suspiros de Ícaro nos olhos assustados de Dédalo” (sim, com título que remete à mitologia grega, bem ao gosto dos clássicos, que eu curto sem vergonha, apesar de também adorar flertar com o marginal e me relacionar ardentemente com a contracultura; sou um poeta de fases, me equilibrando em inusitadas polaridades), foi premiado entre os 25 poemas selecionados para a coletânea do Concurso Literário Prêmio VIP de Literatura, de Maringá/PR, e, finalmente, chega ao blog. Não poderia escolher melhor hora: o poema reflete bem o meu estado de espírito atual; fala sobre transitoriedade da vida, das coisas, e a busca incessante por mais uma fagulha de renovação da vida, apesar do contínuo envelhecimento de si e do mundo ao redor. Somos meio Dédalos; queremos a magia do voo, mas a vida, esse Ícaro sempre jovem e impetuoso, muitas vezes se atira contra o sol e nos expõe a fragilidade do sonho, a possibilidade do fim.
Espero que gostem do poema (demoro pra publicar, mas, quando o faço, posto sempre de coração aberto). Abraços, Suspiros Líricos e Arte Sempre, amigos leitores!

Os últimos suspiros de Ícaro nos olhos assustados de Dédalo

À medida que a minha idade se aproxima
dos ponteiros sem cordas, da hora mal vinda,
meus olhos ficam rasos, temo olhar pra cima;
o sol ri em minha face, mas sou noite infinda.

Quando meu corpo visita o velho quintal,
observo meu jardim de flores esquecidas;
ventos frios sopram sem sonhos o roseiral
e já assombram as alegres margaridas.

À medida que o meu verde ganha tons cinza,
lamento minha juventude colorida,
elevando alegrias ao que é ranzinza;
sou Dédalo vendo de Ícaro a partida.

Às vezes, no silêncio de meu quarto escuro,
lembro os mitos mortos pela ânsia desmedida
de alcançar o celeste, apressando o futuro
e choro a tolice de outrora, a asa ferida.

À medida que a morte bate em minhas portas,
preparo um novo discurso de despedida,
tentando retas sem fim em vãs linhas tortas;
quanto mais o céu me chama, mais chamo a vida!



4 comentários:

  1. Eu não sei, sempre fui a favor da alegria e entusiasmo, mas o fato é que a tristeza bem narrada se traduz numa beleza sem fim, como esse seu poema... Beijo grande, poeta!

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  2. Lindo poema! Traduz bem a angustia de viver no passado e no futuro, algo tão presente nas ansiedades nossas de cada dia. Uma amiga me disse esses dias, que o futuro não existe e jamais vai existir pois ao chegar, será presente. O passado existiu e vive na nossa memória mas também não existe. Só o presente existe de fato. Essa preocupação com o que não existe nos rouba a possibilidade de contemplar e agradecer pelo presente. Como se livrar disso?

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  3. Ler um bom poema nos faz imaginar coisas e viajar na emoção do autor. O tempo provoca mudanças,questionamentos,até cobranças.Que bom não sermos sempre os mesmos,oscilarmos e podermos mudar. Estaremos assim,como a natureza, nos renovando. Muito bom ler Carlos Brunno! Sensibilidade ímpar!

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