Há pouco estive andando (virtualmente, claro) pelo facebook e li uma mensagem
de meu pai, Carlos Fernando, me lembrando de que neste dia 10 de março
comemoramos o aniversário de Barra do Piraí/RJ, minha cidade de origem. Hoje é outro sábado chuvoso (parece que
escolhi bem em fazer uma espécie de recolhimento nesse fim de semana como fiz
no anterior), não estou com a menor vontade de sair, alterno meu tempo entre
correções (a vida de professor já é árdua – mais árdua ainda é a do de
Português, Redação e Literatura – pelo menos os textos e avaliações que ando
corrigindo têm sido ótimos, ufa!), assistir séries que eu curto (encerrei a
maratona de temporadas de “Better Call Saul” [sim, aquela do advogado que
aparecia em “Breaking Bad” – sabe como é, uma série puxa outra, etc] e as de super-heróis
da DC do canal CW [ok, é meio supernovelinha, mas o prazer de ver os meus
heróis favoritos dos quadrinhos em live action, ah, não tem preço, curto
muito]), ler um pouco e ouvir música,
alternando novos e velhos CDs como David Bowie, Nirvana, Caetano & Gil, Pitty, Paralamas do Sucesso, Pearl Jam, Zumbis do Espaço, Biquíni Cavadão e Lana Del Rey (sim, meu
gosto é mais rock, mas ouço de quase tudo um pouco). Bem, e o que isso tem a
ver com o aniversário de Barra do Piraí, a cidade onde nasci? Não sei, mas
parece que o clima, o momento, tudo contribui para que eu compartilhe hoje o
meu único poema que fiz para a cidade que me originou.
Minha relação com Barra do Piraí sempre foi meio que a do filho
pródigo: passei a infância por lá, a base de minha formação inicial foi lá, mas
os momentos mais marcantes passei em viagens para a vizinha Valença (onde
depois residi na adolescência, juventude e início da fase adulta e onde
descobri a poesia, a arte escrita, tornando a Princesinha da Serra minha
principal cidade afetiva), entre outros lugares; retornei à cidade natal nos
anos 2000 para trabalhar e , um tempo depois, cursar Letras na Ferp-UGB (ou
seja, a cidade me deu a formação básica
e a universitária), fiz muitos amigos, fui em bons shows lá, tenho boas
lembranças das duas fases em que vivi lá, mas sempre que pude escapei para as
cidades dos arredores e as mais distantes. Havia algo entre Barra do Piraí e eu
que não se solucionava: havia poucos espaços culturais, raros interesses, momentos
e lugares para eu realizar eventos artísticos, que é uma das coisas que mais
amo fazer. Esse fato contribuiu para dar uma pitada de amargura (daquele tipo
santo da casa não faz milagre) em nossa relação.
O poema que posto hoje “Balada de inverno para minha mãe biológica Barra
do Piraí “ foi publicado em meu 9.º e mais recente livro “O Nada Temperado com
Orégano (Receitas poéticas para um país sem poesia e com crise na receita)”
(2016) e foi escrito nesse processo de idas e vindas à cidade – sempre considerei
esse poema em um estado meio de incompletude, mas ficou assim mesmo, talvez sua
completude seja parecer incompleto. Esse poema já deveria ter ido para a panela
do meu quinto livro “Eu & Outras Províncias – Progressos e Regressos”
(2008), por mais que fosse um corpo estranho no livro que mais homenageio minha
cidade afetiva Valença, mas não ficou pronto a tempo. É quase um poema-resposta
aos queridos amigos barrenses (queridos mesmo, sem ironia – amo demais meus
amigos da cidade onde nasci, cresci e, após um hiato, voltei e me formei
professor de Português) que me cobravam em minha poética uma identidade mais
barrense (esta acabava ficando meio oculta em meu lirismo pelo fato-mágoa de
jamais ter conseguido desenvolver um projeto lírico sólidaona cidade onde
nasci). O poema é quase que um confessionário de culpas e desculpas entre a
cidade onde nasci e eu, sempre mais identificado com Valença, e traz um tempero
inédito, com versos-molhos antigos conservados em novos olhos-óleos, um
gostinho a mais no mexido de moshs mesclados outrora mantidos no armazém do
esquecimento.
Feliz aniversário, Barra do Piraí, cidade onde nasci, Arte Sempre e boa leitura,
amigos leitores!
Balada de inverno
para minha mãe biológica
Barra do Piraí
É tarde, Barra do Piraí...
Surpreendo-me envelhecido,
irreconhecível em teu colo frio
nesta noite de calor.
Apresentas-me a tua nova pele pálida,
tuas novas máscaras geladas
de dama enrugada pintada de lua nova
na noite de gala de volta ao nada,
ainda exibindo a face cortada por trens agora privatizados
que continuam atravessando sua pele pública
e cansada das lidas diárias.
A maquilagem não apaga tua inusitada frigidez ardente,
impassível Barra do Piraí,
apenas renova minhas antigas tristezas
de querer ser teu e parecer nunca te pertencer
- fiz vários poemas para ti, mas tu nem viste,
preferiste o barulho das fábricas, o crescimento do comércio,
enquanto meu lirismo adormecia em teu descrédito
a poemas de filho biológico criado em horizontes estrangeiros...
Somos conhecidos, convencidos,
fingidos estranhos, musa mãe muda mudada Barra do Piraí,
e por isso essa saudade de reuniões familiares que tivemos,
mas não aproveitamos
e por isso essa tempestade plácida de pedra que nos amolece,
somos um mundo de palavras não ditas,
um ciclo de travessias incompletas;
és minha identidade turva,
como as águas de nosso rio Paraíba do Sul
e eu sempre te nado de volta, Barra do Piraí,
mas continuamos afogados nesse ir e vir,
cúmplices culpados pelo crime de não nos admitir,
ouvindo um ao outro,
mas sempre fingindo não nos ouvir.
É tarde, Barra do Piraí,
mas continuamos aqui,
tu próxima distante em mim
e eu conservando traços que nego,
inegavelmente vindos de ti,
por isso essa balada agridoce de paixão amarga,
por isso essa volta desengonçada,
por isso nos reencontramos aqui,
eu também te amo, Barra do Piraí,
pode ser tarde pra dizer,
mas é sempre tempo de sentir.
É tarde, nós sabemos,
mas ainda é tempo, há tempos, há tempo, Barra do Piraí!