segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Uma carta melancolicamente premiada: Carta para meu amigo, professor e poeta, como e muito mais que eu


Depois de tanto tempo longe do blog, retorno com uma carta poética de minha autoria, finalista e premiada recentemente (no dia 06 de setembro) com o 2.º Lugar na Categoria Carta na Modalidade Professor no VII Concurso Literário promovido pela Academia Leopoldinense de Letras e Artes (ALLA).
O tema era pandemia e, sinceramente, além de exausto profissionalmente falando, eu já tinha escrito tantos poemas, crônicas e microcontos sobre o tema que pensava ter esgotado minha criatividade e inspiração para escrever algo mais variado sobre o assunto. Mas eis que, para inscrever os escritores-alunos dos sextos da Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, para quem dei aula por uma semana, pois a professora deles, Flávia Araújo, havia contraído a Covid-19 e ficou temporariamente afastada (mesmo assim, em tempo recorde e urgente, combinamos on-line que eu faria uma oficina de produção textual com as turmas, seguindo o tema do concurso, cujo regulamento eu consultara anteriormente), resolvi trabalhar o gênero textual carta e estimular os alunos a escreverem sobre o tema. Inspiradíssimos, eles conseguiram emocionar este professor-redator-poeta-pateta-leitor-assíduo (para minha total surpresa, mesmo com toda experiência em corrigir redações, cheguei a chorar copiosamente com a carta de Ana Lara, do 6.º A – não à toa a carta dela conquistou o 1.ª Lugar na Modalidade Ensino Fundamental II; foi e continua marcante demais em minhas leituras prediletas). Diante de tais cartas profundamente cativantes, meu eu escritor ficou de sobreaviso e inspirado. Mesmo assim, até o momento de inscrever as cartas dos escritores-alunos que se destacaram, mesmo a inspiração gritando e um texto ainda inelegível gritando dentro de mim, a carta que minha mente e meu coração se propunham a escrever não vinha. Ao mesmo tempo (talvez por artimanhas do meu eu escritor, talvez por tanta coisa que a gente deixa sem dizer e que fica represada na gente), vinha-me à memória, episódios do período da pandemia e do ensino remoto; naquele período, o super-professor-poetatletamigo-premiado-e-muito-mais-poeta-que-eu Genaldo Lial havia perdido entes muito próximos e queridos, e, na época, à distância, o máximo que consegui fazer foi enviar a ele áudios longos e atrapalhados de pesar com frases confusas de tristeza e espanto diante das terríveis perdas dele. Naquele momento, eu, lutador experiente com a arte escrita e insistente domador das palavras, apanhei feio em minha tentativa de expressar minha consternação com as perdas de Genaldo super-professor-poetatletamigo-premiado-e-muito-mais-poeta-que-eu. E aquilo nunca saiu de minha mente, nem de meu coração; aquilo tudo que podia ter sido e não foi de Antônio Nobre e de Manuel Bandeira ecoando na minha cabeça e no meu peito até agulhar a alma.
Em cima da hora (sim, sou mestre em buscar vencer um leão por dia, deixando tudo pra em cima da hora), após inscrever todos os escritores-alunos que me propus a inscrever, todas as cartas deles e a lembrança das perdas e do episódio tragicamente atrapalhado de comunicação com o Genaldo vazaram numa escrita quase automática; as frases vieram transbordantes e, muito em cima da hora, quase sem revisão, enviei a carta abaixo postada.
É um registro sobre a pandemia, sobre os nossos tempos, sobre as nossas perdas, sobre ser professor nesse caos todo, sobre o que não se diz, mas precisa ser urgentemente dito, ainda que tardio.
É melancolicamente bom estar de volta com vocês, amigos leitores. Boa leitura e Arte Sempre!

Carta para meu amigo, professor e poeta, como e muito mais que eu
Carlos Brunno Silva Barbosa


Em algum lugar entre o que eu não disse e o que está tarde, mas precisa ser dito, 30 de junho de 2022

Querido amigo, professor e poeta, como e muito mais que eu,
Sabemos o quanto essa pandemia de Covid-19 atingiu nossa rotina...
Lembra a loucura e tensão que foi para podermos cumprir a contento as aulas remotas, sem termos tido, nem nós, nem a equipe diretiva, nem nossos alunos termos, ao menos, tempo, material, oportunidades e formações para nos prepararmos? Foi uma maratona terrível, mas nos viramos, fizemos o possível e o quase impossível, com as parcas ferramentas que tínhamos. Não foi satisfatório; hoje, com o retorno das aulas presenciais, percebemos melhor o quanto o período foi destrutivo para as sementes de educação que, incansavelmente, plantamos. A verdade é dura, mas inegável: foi uma vitória vã, válida apenas para comemorarmos nosso cada vez mais elástico jogo de cintura e nossa resiliência – palavra que você tanto adora e adota de forma sublime em todos os segmentos de sua vida. Mas a gente se recupera, sempre se recupera, e chegamos a recuperar até os que parecem irrecuperáveis – já é um lema que, apesar de insano, o colocamos como objetivo racional; meu amigo, você e eu, nós, professores, precisamos ser estudados ou definitivamente instalados em um manicômio chamado Sublime Esperança. É uma verdade dura, e, por tornarmos possível a impossível missão de irrigar nosso atual estado de marasmo educacional, com tensa leveza e quixotesco espírito guerreiro, merecemos ver a mesma realidade brutal com olhos de poeta. E tenho um orgulho e um prazer masoquista imensos de fazer isso ao seu lado, meu amigo, professor e poeta, sendo você, nesta linha, sendo muito mais poeta que eu, muito mais poeta que qualquer poeta que conheci ou li, muito mais poeta que qualquer um de nós, com o acréscimo de humildade legítima que só grandes artistas como você são capazes de apresentar.
Ontem eu estava relendo alguns poemas que você me mostrou após o retorno para as aulas presenciais. Os seus versos, sempre maravilhosos e com ritmos magníficos, não me eram novidade; como sempre, amei todos eles. Mas o que mais me marcou desta vez foram os títulos “O retorno”, “O retorno II”... Desde o retorno ao frágil novo – esquizofrênico - normal, diante de uma pandemia voraz que finge(m) que passa, mas não passa, poucos, como você, amigo, professor e poeta, mantêm rigorosamente todas as medidas preventivas – o uso de máscara, a aplicação constante de álcool gel nas mãos, a insistência no distanciamento, etc. -, enquanto a maioria, inclusive eu em vários momentos, tentam abraçar, com a tradicional ignorância, a ilusão de um abrandamento inexistente do poder de contaminação dessa terrível doença pós-moderna chamada Covid-19, que, vestida de musa da negação, segue a fazer impunemente novas e velhas vítimas. E, apesar da parvonice geral, altamente infecciosa nesses tempos, chegando a, muitas vezes, ser até mais contagiosa que a própria doença pandêmica, você, como poucos, permanece são. E ainda consegue retornar com poesia! Isso é o mais admirável quando releio seus poemas mais recentes. Confesso que qualquer lirismo, do mais nobre ao mais reles, me abandonara há um tempo (ou fui eu que a abandonei em perpétua quarentena e inanição, não sei bem quem abandonou quem). Mas, em você, a poesia pode até ter se silenciado por um tempo, mas nunca o abandonara. E constatar isso, em e graças a você, sempre me faz ter coceiras de inspiração em minha poética semicadavérica. É muito bom ler e reler você nesses tempos sombrios de trevas coloridas, meu amigo, professor e poeta.
A pandemia de Covid-19 nos feriu demais, amigo, professor e poeta, mas, não sei se por ser mais guerreiro e resiliente que eu, o terrível mal foi muito mais cruel e feroz com você: perdera muitos parentes, nesse período insalubre, por causa dessa doença assassina. Lembro-me de que, dada a distância e as normas de isolamento social, só pude lhe gaguejar pêsames vãos e sem rumo em áudios tremulantes para o privado de seu whatsapp. Sentindo-o de luto, logo você, tão saudável e cheio de vida, eu queria tanto abraçar a sua dor, tão forte até que fosse capaz de sufocá-la, retirá-la completamente de você, que não sabia nem como expressar essa sensação, nenhuma palavra de vida era capaz de confortar tamanho sofrimento. E você, bailarino hábil, dançou soberbamente com e sobre a dor. E, hoje, sorri, cheio de vida, ainda que os lábios às vezes murchem, mesmo com os ombros pesados, guerreiro pacífico resiliente, você caminha levemente, mesmo sobrecarregado pelo luto e pelo tempo e entre passantes insensíveis às milhares de perdas, insensíveis à falta de condições de vida, insensíveis a si mesmos. Mesmo perdido, nunca se perdeu, amigo, professor e poeta, e, assim, me ensinou, que, mesmo que dolorido, o coração jamais deve ficar insensível ao que foi perdido, mas também jamais perder-se do caminho da vida que nos restou. E é muito bom caminhar com você por essa difícil estrada, meu amigo, professor e poeta.
E é isso, e isso ainda é muito pouco para o tanto que o admiro, amigo, professor e poeta. E, mesmo sendo pouco, ainda cometi o delito de não ter conseguido expressá-lo em palavras até o momento em sua presença. Por tudo que eu poderia ter falado e não lhe falei, pelo tanto que o amo, admiro e lhe quero bem, por isso e por mais tanta coisa a ser dita e a se fazer, eis essa carta – que ela alcance os seus olhos, sua alma e coração, com infinita gratidão de ter você sempre ao meu lado, mesmo quando estamos distanciados, meu amigo, professor, poeta, meu irmão.
Abraços e Arte Sempre,
De seu (e)terno amigo e admirador
Carlos Brunno Silva Barbosa



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