sábado, 30 de abril de 2022

Meu conto quase inédito do tempo em que eu não tinha certeza, mas que a arte acalmou minha mente, postado em um sábado nublado de final de mês: In Patience

Fim nublado do último final de semana do último dia de abril. Costumeiramente, os últimos fins de semana de fins de mês são períodos tradicionalmente melancólicos de encerramentos de ciclos (um mês que se vai, o salário que se esgota, o bolso, inutilizado, ansioso pelo quinto dia útil, um jargão ‘como este ano está passando rápido’, repetido entre os compadres e as comadres), ao mesmo tempo, que a renovação, o novo mês pede passagem. Num outono sereno como o de 2022, a sensação de melancolia entre novos fins e velhos recomeços se expande, enquanto o desejo de dias melhores (ah, o jargão ‘esse mês eu resolvo todas as pendências’ ressurge das cinzas de fracassos dos meses anteriores) e a sensação de iminência de uma nova garoa de pessimismo (ah, ‘tenho de medo de dizer que vai piorar, pois, atualmente, sempre piora, é outro jargão influenciado pelos meses de trevas anteriores) se beijam num tenso e, ao mesmo tempo, delicioso paradoxo. Um sereno, quase chuva, um mês que quase chega, um quase meio ano, quases “Quase” como a poética cheia de melancólicos vazios de Mário de Sá-Carneiro, escritor modernista português, autor do primoroso “Céu em fogo”, mestre artista que nasceu no fim do mês de abril (Lisboa, 19 de Maio de 1890) e escolheu o mês de maio para sua autodissolução (Paris, 26 de Abril de 1916).
O conto, de minha autoria, que trago hoje, inédito no blog, mas já publicado em coletânea do Grêmio Barramansense de Letras, traz essa boemia melancólica, repleta de cheios vazios, de quases (por sinal, o texto quase foi classificado em alguns certames literários; é um dos preferido de leitores queridos por mim, como a vizinha amiga Cláudia, chegando ao quase gosto popular, mas fadado ao sucesso do fracasso de ser sempre um quase algo) e traz como inspiração o clima sereno enigmático da poética do mestre Mário de Sá-Carneiro, um pouco do canastrão dramático personagem Arturo Bandini dos romances “Pergunte ao pó”, “Espere pela primavera, Bandini”, entre outros, de John Fante (coincidentemente, outro mestre escritor que idolatro, também nascido em abril [(Denver, Colorado, 8 de Abril de 1909] e falecido em maio [Los Angeles, Califórnia, 8 de Maio de 1983]), uma das cenas de dança em filme mais emblemáticas que já assisti em filmes (a cena do magnífico filme sul-coreano “Burning” [“Em Chamas”], de 2018, em que a personagem Hae-mi dança, transmitindo sensualidade, resquícios de boemia vazia, desejos de amor, vida contraditória, liberdade vã e tristeza e despertando nos que a veem (isso vaza além da cena] poderosos desejos de amor incondicional, perigosas fúrias serenas, posses, ciúmes e invejas – o filme é mais-que-fodástico, amigos, é impressionante; tanto que o meu conto surgiu alguns dias depois) e noites ligeiramente embriagadas no Bar Aqualume, do tio Jorge e da tia Rosana, em Valença/RJ, quando lá havia uma jukebox, que, volta e meia, aleatoriamente, alguém escolhia, para ouvir nela, a canção “Patience”, de Guns’n Roses. "Céu em fogo", "Em Chamas", pós melancólico-festivos de Bandini, fogos efêmeros no Aqualume, toda essa mistura de influências, regadas a mais algumas (over)doses de álcool, e uma ressaca melancólica existencial geraram o conto “In Patience”.
Para corroborar com os ares melancólicos deste fim nublado do último final de semana do último dia de abril, deixo para os amigos leitores o conto “In Patiente”. Leiam (e bebam-no) com ou sem moderação.

In Patience
Mais um conto embriagado de Carlos Brunno Silva Barbosa, escrito em guardanados de botequim (no Bar Aqualume, ou Bar do Tio Jorge, pra ser mais específico)

    Será que existe algo mais deprimente do que ouvir “Patience” numa jukebox antiquada, posta no canto do botequim recém pintado, às 3 e pouca da madrugada, após a nona ou décima cerveja? Meus ouvidos embriagados perguntam-me isso, enquanto meus olhos assistem à dança solitária da moça (não tão moça) cambaleante (muito cambaleante) que selecionara no velho aparelho musical o dramático e pasteurizado hit da banda Guns n’Roses.
    A moça, nem tão moça, dança sozinha com movimentos trôpegos, perigosamente intensos, e, mesmo assim, desajeitadamente suaves e harmônicos, como se reencontrasse e abraçasse um velho amigo em uma dessas festas de ex-colegas de faculdade. Sua dança parece acompanhar um par invisível e irresistível, um fantasma hipnótico e sensual. Os olhos dela estão fechados, como se o antigo sucesso a transportasse para outros tempos, talvez a um futuro alternativo, talvez a um passado que se mantém no presente, fora do prazo.
    Meus olhos semiabertos vigiam a moça impunemente, pois ela me ignora, atenta apenas aos acordes da canção. Talvez eu devesse ir embora, afinal já bebi demais; talvez eu estivesse alucinando diante daquela balada antiga e daquele inusitado ritual; talvez nem houvesse moça, nem “Patience”; talvez nada faça sentido, mas, há muito tempo, cansei-me de buscar sentidos. Por isso, talvez, eu fiquei.
    Por mais que a moça me pareça uma completa estranha, sinto que estamos conectados – talvez ambos ignorássemos os versos em idioma estrangeiro e só nos guiássemos pelo ritmo melancólico; talvez os nossos passados tivessem o mesmo prazer sádico de não passarem completamente e nos fazerem sempre olharmos pra trás; talvez não houvesse moça, nem “Patience”, nem conexão, nem talvez e eu simplesmente fiquei ali estagnado, altamente alcoolizado, sem saber o que fazer.
Então a música acaba; a jukebox exige mais fichas que a moça não lhe dá. Ela acorda de seu frenesi e, de repente, me olha com aquele ar de criança brincalhona surpreendida por um adulto taciturno e intrometido. O estranhamento e a surpresa são mútuos, mas duram poucos segundos. Uma poeira imperceptível passa entre nós, então uma luz bonita e triste ilumina seu rosto e ela me sorri.
    - Vamos embora, Artur, é hora de partir.
    Talvez não tivesse que rimar; talvez fosse apenas (d)efeito de muito álcool no sangue; talvez eu escrevesse tudo isso num monte de guardanapos enquanto me sentia cada vez mais sozinho e embriagado; talvez “Patience” continuasse na jukebox; talvez empregasse mal os tempos verbais; talvez não houvesse nada entre mim e a moça; talvez jamais saiba dizer se, algum dia, realmente houve tempo, música, moça e talvez .
    Só sei que pego nas mãos dela decidido e algo hesitante entre mim e ela chora enquanto partimos. Pra onde vamos agora, eu não sei...



A cena do filme sul-coreano "Burning" que inspirou o conto.

"Patience", de Guns N'Roses



terça-feira, 5 de abril de 2022

Solidões compartilhadas: A perfeita simetria do mais que fodástico poema "Assimétricos", de Maria Eduarda Fernandes

Maria Eduarda Fernandes,
a premiada poeta de "Assimétricos"
Há eventos em nossas vidas que a gente vai adiando indefinidamente sem nem bem saber o porquê. As publicações neste blog – que, no plano inicial, deveriam ser quase diárias – são um exemplo disso: têm sido cada vez mais esporádicas e não sei explicar o porquê (preguiça, desânimo, loucura, surto, desinteresse, cotidiano atarefado demais, insatisfação, mais loucura, falta de inspiração, desleixo e descuido, projeto deixado de lado em detrimento a outros emergentes, irritação com os áridos novos velhos tempos a ponto de provocar imprevista inércia nas ações, cansaço existencial, não sei: são tantos motivos que se tornam motivo algum; um caso explicado pela falta ou excesso de explicação). A postagem de hoje tem a ver com isso: hoje, finalmente, após um longo atraso (os mais que fodásticos poetamigos Renato Galvão, Raquel Leal, Gisele Pacheco e outros tantos que me confiaram seus escritos passaram e/ou passam pelo que retrato, assim como muitos de meus escritos), finalmente, compartilho minhas solidões poéticas com a mais que fodástica Maria Eduarda Fernandes.
Em 9 de novembro de 2019, na II Felivre,
 ao lado da mais que fodástica poetamiga
Maria Eduarda Fernandes e de
Neusa Magali Carvalho, diretora
do polo da Cederj em Volta Redonda/RJ
Conheci Maria Eduarda no segundo dia da II Felivre, organizada pelo Cederj-VR, no setor azul do Estádio Cidadania, em Volta Redonda/RJ, em 9 de novembro de 2019 (uma pequena digressão aqui: na noite anterior ao momento que nos conhecemos, no término de minha louca e cansativa baldeação Teresópolis [partindo direto da escola na qual trabalhei de manhã] – Sapucaia – Três Rios – Volta Redonda para chegar aos arredores do local do evento na véspera do dia em que fui convidado pra participar da Feira [no caso, parei em Califórnia de Barra do Piraí, onde fui visitar minha tia – e descansar, pois a viagem é bastante extenuante], no ônibus de Três Rios x Volta Redonda, numa daquelas coincidências líricas que, se estivesse em um filme, todos desconfiariam como falha/facilitação de roteiro, meu assento foi reservado ao lado de Eduardo Pereira de Azevedo, que eu não conhecia, mas que, durante o bate-papo, soube que era escritor, havia ganhado o 1.° lugar no Concurso de Poesias Cederj e participaria naquela noite da cerimônia de premiação na II Felivre [noite em que não estive presente no evento, pois estava completamente exausto]. Não vi mais o Eduardo, mas tive a honra de conhecer, no dia seguinte, a iluminada Maria Eduarda Fernandes, que conquistara o 3° lugar no mesmo certame literário que ele. Por maravilhosos e líricos encontros assim que torço por mais edições da Felivre – e que eu tenha oportunidade de curtir novamente o evento). Digressão realizada, retornemos ao dia seguinte: no dia 9 de novembro, enquanto expunha meus livros na II Felivre, Maria Eduarda aproximou-se, conversou comigo e observou a minha camisa que fazia referência à Alice no País das Maravilhas. A partir desta observação dela, antes de conversarmos mais, imaginei hipóteses que logo quase e confirmaram: deve cursar Letras (na verdade, cursa Pedagogia, mas as áreas são compatíveis) e tem poder de observação – e olhar brilhante – de escritora. Aparentava uma felicidade imensa e contagiante por estar presente na Feira Literária (mais uma hipótese logo confirmada: é fã de eventos culturais e literários). Contou-me, com orgulho (merecidíssimo, como poderão constatar ao lerem o mais-que-magnífico poema dela), que fora contemplada com o 3.º Lugar no Concurso de Poesias Cederj. Citou também residir em Teresópolis/RJ (mais uma vez, se fosse filme, iriam achar que mais essa coincidência seria conveniência de roteiro [além do fato de, enquanto eu acompanhava a página da Cederj – Polo Volta Redonda – já havia lido a lista dos poetas vencedores do concurso literário – até porque o Paulo Caruso, que conquistou 2.º lugar, era um grande mestre poetamigo meu, com quem estabelecia contato frequentemente -, logo, o nome dela não me foi estranho no momento em que ela me contou sua brilhante conquista literária). Fiquei encantado com a personalidade irradiante de lirismo de Maria Eduarda Fernandes, foi ‘amizade à primeira prosa poética’, o que tornou ainda mais especial a minha já superpositiva participação na II Felivre (lembrando: atenção, organizadores dos eventos culturais da Cederj, precisamos de mais edições de eventos culturais fodásticos como este).
Depois de 9 de novembro, conversamos esporadicamente por WhatsApp, e, assim, tive contato com o mais-que-fodástico poema premiado de Maria Eduarda Fernandes, intitulado “Assimétricos”. O poema apresenta, em versos livres (ou seja, diversos como o tema que aborda) e ritmicamente harmônicos, ao mesmo tempo que diversificados (novamente, observem: conteúdo e forma se abraçam no premiado escrito lírico), a beleza da assimetria na diversidade de nosso povo. Cabe destacar a intencional ausência de padrões de rima, com o uso principal de rimas imperfeitas (quando há correspondência, mas não igualdade, de sons), esporadicamente intercaladas com rimas perfeitas (em que há correspondência total de sons, havendo repetição tanto dos sons vocálicos como dos sons consonantais), mas, neste último caso, também intencionalmente pobres quanto ao valor (quando as palavras que rimam pertencem à mesma classe gramatical), o que mantém um ar de espontaneidade e simplicidade, aspectos tão caros ao tema diversidade proposto pelo poema. Também vale ressaltar a variação de uso de versos [di versos] transbordados com hipérbatos (quando há inversão da ordem natural das palavras de uma oração) na maioria das estrofes, intercalados esporadicamente com versos que seguem a ordem mais natural da oração (sujeito-verbo-complementos), mais uma vez, apresentando, de forma genial, a diversidade tanto na forma quanto no conteúdo. Como vocês sentirão, o efeito da leitura - tanto superficial quanto profunda - do mais que fodástico poema de Maria Eduarda Fernandes é de supernatural maravilhamento diante do magnífico escrito lírico.
Diante da obra prima de Maria Eduarda Fernandes, logo lhe pedi para publicar o poema no blog, solicitação aceita e correspondida pela autora. Mas eis a novela das postagens: envolto em dramas como eu já citara logo no início e que não sei explicar, tenho publicado muito pouco e muito inconstantemente neste espaço lírico coletivo. O mais que fodástico “Assimétricos” foi muito injustamente adiado diversas vezes para as raras postagens que publico nos últimos tempos. Mas hoje, nestes dias iniciais de úmido outono, de folhas melancolicamente caindo e da natureza se renovando, enquanto dança entre climas indefinidos (ora garoa, ora breve calor, quase frio, quase quente, quase sempre quase sendo pleno em sua diversidade), finalmente, faço minha reparação e, hoje – finalmente! -, compartilho minhas solidões líricas com o poema “Assimétricos”, de Maria Eduarda Fernandes. Tenho certeza de que vocês, prezados e atenciosos amigos leitores, irão, como eu, adorar o mais que fodástico poema de Maria Eduarda Fernandes.

Assimétricos
Maria Eduarda Fernandes


Em versos digo
Diversos somos
Assimétricas rimas
Em vidas, em sonhos

De tantos cantos
Fluindo
Abrilhantando

Nossas histórias
Tem muitas cores
Misturas santas
De nossas peles
Diversos são
Nossos amores

Andamos por aí
Apenas humanos
Sem padrões a cumprir

Um olho não vê
Mas a mão afaga
Alguém não te escuta
E outras línguas fala

São versos e flores
Nesta melodia
Diversos sabores
Estes que te espantam

Viva a liberdade de crer
Ou não crer

Além da palavra
A que é dita santa
Ecoam lamentos
De canaviais
Ressoam tambores
Girando nas saias
Brincando nas praias
De tantos Brasis.

Quadro "Operários", de Tarsila do Amaral,
um das mostras mais emblemáticas
da diversidade do povo brasileiro.


Meu filho-poema selecionado na Copa do Mundo das Contradições: CarnaQatar

Dia de estreia da teoricamente favorita Seleção Brasileira Masculina de Futebol na Copa do Mundo 2022, no Qatar, e um Brasil, ainda fragiliz...