"I Transition", de David Wittaker |
Sejam bem-vindos(?) à Cidade Solidão, amigos leitores...
Cidade Solidão
Solidão habita em mim.
Sua principal avenida sem fim
faz contorno nos cantos obscuros do meu cérebro
até a Rua dos Sentimentos Perdidos
protegida por Cérberos fardados e cegos
nos portões do meu peito, no coração da cidade.
Faz um calor dos infernos, mas neva artificialmente em seus bares
da Lapa dos Ouvidos, das Vilas Nasais
aos distritos dos Pequenos e Grandes Lábios.
Nessas áreas de efêmera e desesperada euforia,
a população solitária deixa nos copos esvaziados suas diversões amargas
e leva aos toaletes e mictórios seus resíduos de carências variadas.
A população solitária é mestiça, mas insiste no mito cinza da não diversidade
proferido pelas falsas igrejas e pela hipocrisia social e midiática,
coloridas pela fé teimosa e inabalável no preto e branco.
Há grandes mares de mágoas e reminiscências de monótonos riachos
na Região Larga dos Lagos Olhos Rasos,
onde turistas visitam, curtem e desfilam,
mas sempre passam, sem vontade de voltar.
Os peixes solitários descansam entediados nas baixas temporadas,
mas percebem, após os verões de ilusórias agitações,
seus habitats irremediavelmente poluídos de objetos íntimos e esquecidos
por estranhos conhecidos que não pretendem retornar.
Do Cabo do Baço aos Pulmões Acidentados, os espaços paradisíacos
são lugares invadidos por convulsões químicas e sociais de mal estar.
Na Favela dos Rins e no Morro do Fígado,
há deslizamentos de pedras e uma insegurança ruim
que impede seus moradores de sorrir
– quem cai ali não consegue sair ou se levantar.
Solidão é uma cidade vasta que corta todas as minhas costas
e cobre todo meu ser,
tem estátuas de ídolos mortos e museus de sonhos empoeirados
pela falta de ti,
tem centros históricos sem novas histórias,
casas em ruínas tombadas pelas memórias,
tem um pouco dela, dele, deles e delas, de outros eus e mins.
todos admirados com os excessos de vós e a ausência de nós
nas cortinas puídas das janelas das almas.
Solidão é uma cidade inteira erguida por endereços recusados,
guardados como objetos vivos, bairros inteiros em mim extraviados,
esperando em vão a restauração ou a averbação do amor
de tantos inacessíveis e vis destinatários.
Poema inédito de Carlos Brunno Silva Barbosa