terça-feira, 23 de outubro de 2018

Meu conto fantástico bashô-leminskiano selecionado: Confissões de Leminski

Capa da coletânea "Quixote-Sama e outros
contos fantásticos"

Já faz mais de um mês que aconteceu, mas o memorável evento permanece na memória e encontra lugar cativo na minha trajetória literária. Na segunda-feira, dia 10 de setembro de 2018, das 19:00h às 21:00h, no Edifício Bunkyo, 1.º andar, Rua São Joaquim, 381, bairro da Liberdade, São Paulo-SP, tive a honra de participar do lançamento da antologia do II Concurso Bunkyo de Contos, sob o título “Quixote-sama e outros contos fantásticos”, organizado pela Comissão de Atividades Literárias – Seção de Língua Portuguesa da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.
A coletânea reúne 30 contos selecionados (e – yeah! – o meu conto “Confissões de Leminski” está entre os textos classificados para compor a antologia) dentre 171 inscritos por autores radicados nas mais diversas cidades do país, e também na Inglaterra, Portugal e Japão. 
Paulo Leminski em caricatura
de Ramon Muniz
Capa do livro
"Vida - 4 biografias",
escrito por Paulo Leminski
O conto, como o próprio título informa, é uma homenagem ao Mestre Poeta Samurai Paulo Leminski e traz um encontro imaginário entre o escritor brasileiro e o poeta japonês mestre dos haikais Bashô, um dos maiores influenciadores da poética leminskiana (no livro “Vida – 4 Biografias”, Leminski chegou a dedicar um capítulo de ensaio-lírico-estudo-biográfico todo para Bashô – por sinal, usei este como material de estudo para o início do processo de estruturação do conto).

Foi uma cerimônia informal, lírica e festiva, na qual tive a honra de conhecer novos e fodásticos escritores artistamigos, Não posso reclamar, amigos, este ano de 2018 tem sido literariamente maravilhoso!
Em agradecimento a todos os amigos leitores pelas vibrações poéticas positivas e torcida pelo meu crescimento literário neste ano, hoje compartilho o meu conto fantástico publicado na coletânea (não posso dar um exemplar da antologia a cada leitor, então torno público o conto como uma forma de presentear os amigos leitores seguidores do blog)! Boa leitura e Arte Sempre!

Confissões de Leminski
Carlos Brunno Silva Barbosa

Eu era apenas Paulo quando o encontrei pela primeira vez. Antes de conhecê-lo, eu estudara a etimologia do meu nome e lamentava que me nomeassem por uma palavra que significava “pequeno”. Como todo jovem tolo, eu trazia um orgulho gigante e me envergonhava de ser chamado de “pequeno”. Eu era apenas Paulo e temia ser apenas Paulo pela minha vida inteira, quando o encontrei pela primeira vez.
                Em minhas viagens solitárias pelas matas desertas de minha cidade, encontrei-o tão solitário quanto eu. Era um senhor com feições asiáticas, sua imagem traduzia aquela complexidade simples de um velho sábio, filho de um Japão distante e ancestral, imigrante pacato de minha agitada Curitiba. Como eu, veio buscar a rara paisagem tranquila de minha cidade e, diferente de mim, parecia ter encontrado o que jamais alcancei: a paz dentro de si mesmo.
                Esse velho senhor observava os sapos no brejo e seu olhar parecia dar vida ao aspecto moribundo daquele lugar, onde tantas vezes eu me escondia do rodamoinho de gente e, às vezes, até de mim mesmo. Ele parecia gostar das coisas pequenas e simples da natureza. Talvez este tenha sido o motivo pra logo reparar na minha presença: o eu apenas Paulo, o eu que me remoía por ser chamado de algo que significava pequeno.
                Observou-me por um longo tempo, como se me desenhasse em seus olhos. Depois se apresentou: “Olá, rapaz, meu nome é Bashô. Qual é o seu?” Minhas memórias me traem nesse momento, não sei direito como me comportei diante daquele estranho de português tão claro e, ao mesmo tempo, carregado pelo sotaque estrangeiro. Guardo sempre a lembrança de um sorriso incontido que lhe ofereci, talvez por timidez, talvez por achar engraçado que o nome dele se parecesse com a palavra “baixo” se eu falasse com o mesmo sotaque que ele. Não sei, não me lembro bem, mas, seja como for, o sorriso incontido, real ou ilusório, se manteve em minha memória e assim permanece sempre que conto para alguém essa minha história.
                Sei que, em seguida, lhe revelei meu nome: Paulo. Mas, pelo tom de repulsa que fiz a minha denominação, era como se eu dissesse algo que me diminuísse: Paulo, apenas Paulo! O velho parece ter lido em meus lábios toda minha ira contra a palavra que me nomeava, então comentou que vários amigos dele mudaram-se para uma grande cidade que possuía o nome de um santo homônimo ao meu: SÃO PAULO. Ao ouvi-lo reproduzir com tom tão grandioso a palavra que eu carregava com vergonha desde o meu batismo, comecei a ter dúvidas sobre o verdadeiro significado de meu nome.  O velho voltou novamente seu olhar para os sapos no brejo e comentou, quase que sussurrando, como se me ensinasse um segredo milenar: “Não deveríamos ter vergonha dos pequenos, pois neles está o que há de mais grandioso nesse mundo”.  E me declamou pequenos poemas, segundo ele, de sua autoria, escritos no saber de observar o que era imenso no que parecia pequeno. E os versos curtos ganharam meus ouvidos como se fossem extensos, infinitos!  A partir daquele momento, tudo que me parecia breve ganhou o terreno colossal de uma eternidade. Eu não era mais apenas Paulo, estava imenso, espalhado por todo aquele matagal, ao lado daquele velho japonês, meu mais novo amigo, agora não mais tão estrangeiro assim.
                Perdi as contas de quantas vezes passeei por aquelas matas com o Sr. Bashô, aprendi muito com aquele velho senhor, tanto que passei até a dividir com ele a tradição de criar pequenos poemas. Hoje acrescento ao meu nome Paulo o sobrenome Leminski, não por vergonha do significado de meu primeiro nome, e sim por tentar entender e estender o grandioso que há no pequeno que agora caminha feliz comigo nas minhas andanças solitárias pelas estradas de um novo agora, sempre acompanhado pelo espírito de meu amigo Bashô, que sempre me visita no caminho. Apesar de não mais pertencer ao mundo dos vivos, Bashô permanece comigo, admirando a beleza grandiosa do pequeno infinito.



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