sexta-feira, 20 de março de 2015

Otelo 2015: O mouro em tempos de paranóia comunista

Depois do sucesso das "Crônicas Coxi-Lhas", trago uma releitura da famosa peça shakespeariana "Otelo" numa perspectiva fictícia "coxidramática":





Otelo 2015: O mouro em tempos de paranóia comunista





Ato I – Sede do Partido Coxinha Democratária. Partidários aplaudem Otelo Fidélix com cartazes de “Viva o novo presidente do PCDem”. Sandra Sherazade puxa Iago Bolsonaro, o afasta do público e ficam num canto à distância.


SANDRA SHERAZADE (sorrindo para o público, mas dando bronca em Iago): Como podes permitires que um deselegante, ex-classe C, como aquele mouro do Otelo, se torne uma das principais lideranças do Partido Coxinha Democratária, Iago? E ainda o aplaudes?!? Estou pasma!

IAGO BOLSONARO (sorrindo para o público, mas respondendo ácido a Sandra): Compartilho da mesma ojeriza e veneno que trazes em seus lindos lábios e pérfidos pensamentos, Sandra. Minha repulsa e fórmula mortífera pela condecoração pecaminosa dada ao ser citado pelo partido do qual faço parte há tempos fluem furiosas em todo meu corpo, mas controlo minha intervenção militar com a força maquiavélica de minha mente. Os tempos são outros, querida e pérfida amiga. Guardo minhas forças armadas como as nuvens cinzas seguram o despertar da tempestade que arrasará com toda a cidade. Finjo-me de amigo de Otelo para que eu possa tomar-lhe o poder sem o mouro perceber. Já conheço os pontos fracos de meu intolerável partidário: são Desdêmona Rousseff, sua dedicada esposa, e Cássio Neves, seu fiel amigo – fiel apenas até esse momento, creio eu rs... Ambos são os pilares da força de Otelo e não há pilar em meu caminho que resista a minha força - sou um empresário liberal, demolidor de patrimônios públicos; sei inutilizar o que é considerado útil, sei corromper o que parece incorruptível. Como hipotético amigo, fabricarei mentiras na cabeça de Otelo. Como aqueles usuários mais parvos e inconseqüentes, tornarei as farsas mais estapafúrdias e incoerentes em torpes verdades absolutas. Otelo não resistirá, Sandra, e, em breve, a glória do mouro vai cair e eu recuperarei a presidência que a mim deveria ter sido destinada.

SANDRA SHERAZADE: Não entendi nem metade do que falaste, Iago, mas reconheço agora um membro digno da família de articuladores Bolsonaro. Sou meio prática, sabe? À medida que destilares o teu veneno, vai gravando, postando foto e me detalhando pelo Whatsapp, ok?

IAGO BOLSONARO: Claro, Sandra, claro que não faria isso, querida, ou pensa que já não conheço tua requintada perfídia? Enviar-te arquivos de minhas articulações seria como entregar o pescoço ao vampiro, tornar-me refém de teus anseios golpistas. Fica apenas com minha garantia: Otelo cairá, Sandra, custe o que custar.

SANDRA: Ah, Iago, és sempre tão espertinho! Precisamos nos aliar mais, preciso de uma dose desse teu veneno vigoroso, querido... Bem, mas ao menos uma selfie desse momento posso tirar? Quero guardar esse momento de lembrança no Instangram.

IAGO BOLSONARO: Claro, querida, isso tu podes, mas não coloques Ferraris a mais na garagem antes de reformarmos essa parte da mansão. Anota na legenda da foto: “Iago e eu curtindo a promoção de nosso amigo Otelo. #vidalongaaonovopresidente #eleiçõespcdem2015”

Iago a abraça e ambos posam para a foto.

Ato II - Entrevista na manifestação.

REPÓRTER FERNANDINHO: Estou aqui com o presidente do PCDem, Otelo Fidélix, um dos líderes da manifestação pró-impeachment do rei Sam McDonalds. O evento reuniu mais de um bilhão de pessoas descontentes com o governo. Foi um sucesso, não é, Otelo Fidélix?

OTELO FIDÉLIX: O povo não é bobo, Fernandinho. Apesar de nosso rei ser um rico empresário, explorador de altos impostos e agiota cruel de diversos reinos vizinhos, todos já perceberam a conduta comunista daquele safado: como pode um rei, que ganhou um cargo absolutista, ficar sorrindo para a plebe? Ele tem que sorrir pra nós, grandes empresários, não pra eles, que só fazem isso por que ele vive oferecendo brioches de má qualidade pros desdentados. Os brioches são nossos, seu rei safado, somos nós que pagamos; aqui não vai virar uma Sodoma e Gomorra, onde as classes sociais se misturam! O povo não é bobo; cada um sabe a qual classe pertence e essa diferença deve ser solidificada!

REPÓRTER FERNANDINHO: Mas, Otelo, o senhor não veio de uma classe inferior e ascendeu na vida? Como pode propor a não-mistura de classes?

OTELO BOLSONARO: Só porque subi, agora que tenho que pagar pra outros subirem também, Fernandinho? Que comentário absurdo com águas passadas! Subi com meus esforços, servindo aos donos do poder, e não ganhando brioches de um rei sem vergonha que gosta de mamatas. Então se o céu é pra todos, seu petralha, e o inferno como fica? Se o céu se lotar, não vai ter espaço pra toda elite e vamos fazer o quê: aguardar no purgatório ou passar a residir no inferno? Ora! Falta sensatez nessas suas perguntas. A plebe vive no inferno e é feliz, pra que mudar?

REPÓRTER FERNANDINHO: Mas, no governo do rei McDonalds, só se inventou a possibilidade de as classes ascenderem, Otelo Fidélix, mas a realidade que tudo está como antigamente.

OTELO FIDÉLIX: Calúnia, seu repórter petralha, todo mundo sabe dos planos do McDonalds e chega dessa entrevista infame, seu cupincha comunista! Ninguém vai sujar o nosso direito democrático de fazer uma marcha contra esse governo ditador, que não permite que expressemos nossas opiniões divergentes. Por sinal, bonita camisa verde e amarela que carregas como nós, Fernandinho. Pena que, no fundo, és um infiltrado dessa corja de distribuidores de brioches pra plebe. Entrevista encerrada, fim de papo!

Otelo volta-se a Iago Bolsonaro e Cássio Neves, que o assistiam e o esperavam.

IAGO BOLSONARO: É isso aí, Otelo, é assim que se fala!

CÁSSIO NEVES: Não sei, amigo Otelo; acho que devíamos ser mais cordiais com nossos repórteres, afinal eles estão na marcha com a gente. É sempre bom debater sobre a nossa causa de forma moderada para que as questões mais polêmicas pareçam simples; não sei direito como fazer isso, mas era bom ter um assessor, um daqueles advogados renomados (como o que liberou nosso partidário Nero Calígula das denúncias de propina), pra nos expressarmos melhor, de forma coerente apesar de todas as coerências...

IAGO BOLSONARO: Ah, Cássio Neves, és sempre moderado! Conselho de amigo: sê mais enérgico, pois vivemos tempos extremistas. És jovem, por isso talvez não lembres, mas tua proposta me lembrou aqueles discursos do ex-rei Maduro Castro, comunista nato! Não acha, amigo Otelo, que nosso parceiro partidário está tendendo para outros lados?

OTELO FIDÉLIX: Que isso, Iago, meu fiel escudeiro e amigo Cássio jamais cederia aos reinos de Sodoma e Gomorra!

IAGO BOLSONARO: Tudo bem... Não está mais aqui quem falou, amigo!

CÁSSIO NEVES: É isso aí, Iago, não me ponhas à prova que te coloco num pau de arara. Rs Brincadeirinha, amigo! Estamos todos no mesmo partido, jamais faria isso contigo. Mas peço-te que não mais de minha fidelidade partidária duvides. Bem... Já que a manifestação acabou, deixa-me ir, afinal, em algum canto desse reino, há uma patricinha solitária à espera de meus carinhos. Abraços, amigos!

CÁSSIO NEVES sai.

IAGO BOLSONARO (para Otelo, assim que Cássio sai): Estranho, né, amigo Otelo, me veio uns pensamentos estranhos que não sei se me cabem te alertar...

OTELO FIDÉLIX: Fala logo, amigo Iago, sabes que não sou homem de meios termos, nem de guardar curiosidade...

IAGO BOLSONARO: Sei como és, amigo, mas também sei que és condescendente com os amigos partidários, principalmente com Cássio, mas depois de vê-lo contrariar tua nobre entrevista, outros momentos me vieram à mente. Por exemplo, aquele momento no qual entramos no famigerado boteco para conquistarmos a adesão da estúpida plebe – todos nós pedimos um daqueles nojentos salgados gordurosos; tua esposa, tu e eu pedimos risole, mas Cássio, sempre diferente, pediu coxinha. Por que será?

OTELO FIDÉLIX: Ora, Iago, só havia 3 risoles. Só restava a Cássio a coxinha!

IAGO BOLSONARO: Tudo bem, mas precisava devorar a coxinha, símbolo maior do nosso partido, com tamanha voracidade? Comemos comedidamente aqueles nojentos risoles, por que ele fez questão de se deliciar com a coxinha, como se devesse suprimir a presença dela naquele antro plebeu?

OTELO FIDÉLIX: Ah, Iago, paranóia tua, amigo... Quanta maldade!

IAGO BOLSONARO: Talvez por que coxinha lembre uma parte humana muito admirada por Cássio nas mulheres... Pena que a detentora da coxa mais admirável é tua esposa, com todo respeito, né, amigo Otelo, nosso colega Cássio vai ter que adorar tal parte do corpo humano em outras garotas. Tua esposa não te quis acompanhar até o final da manifestação, Otelo...

OTELO FIDÉLIX: Depois de comer aquele risole engordurado, ela passou mal, Iago, não está acostumada a comer estas coisas. Senão, com certeza, ela nos acompanharia até o final, amigo, Desdêmona Rousseff é tão fiel a mim quanto Eva Braun foi a Hitler. Rs

IAGO BOLSONARO: Realmente... mas estranho teu fiel escudeiro e amigo Cássio Neves também se recolher tão cedo... E o caminho pelo qual ele partiu não é o mesmo que nos leva a tua casa, Otelo?

OTELO FIDÉLIX: Queres me enlouquecer, homem, o que insinuas?

IAGO BOLSONARO: Calma, Otelo, sou teu amigo! Dói em todo meu ser ter de abrir teus olhos, mas, como amigo, não devo abandonar-te refém de intrigas; és um homem poderoso agora e todos querem tomar-te o poder, mesmo que seja por tabela, através de, com o perdão da palavra, tua insinuante esposa. Lembro-te que Desdêmona foi filha de Cristina Chávez, uma antiga apoiadora do comunismo em nosso reino, lembro-te também que me contaste que ela enganou a mãe dizendo que saía com um universitário do Congresso Petralha Único, quando, na verdade, armava um casamento escondido contigo. Ela enganou a mãe comunista, mas não pode abandonar o vírus genético corruptor, nem perder o dom de mentir que toda mulher tem. Ora, Otelo, abre os olhos: Cássio Neves e Desdêmona Rousseff possivelmente estão tendo um caso, estão fazendo intrigas pelas tuas costas. Não podes ser tão cego, homem!

OTELO FIDÉLIX: Que isso, Iago, não pode ser!

IAGO BOLSONARO: Lembra naquela festa do partido do mês passado, no qual a tua esposa trajava um sensual vestido vermelho e preto? Um vestido que contém vermelho numa festa anticomunista, como ela pôde?

OTELO FIDÉLIX: Ora, Iago, várias mulheres usavam vestido vermelho e preto naquela festa. Estávamos com os dirigentes do Flamengo ou esqueceste?

IAGO BOLSONARO: Mas logo a mulher do presidente do PCDem com um vestido quase comunista? E precisava aparentar estar tão contente?

OTELO FIDÉLIX: Ela é flamenguista fanática, Iago!

IAGO BOLSONARO: Como a mãe, que também era flamenguista fanática... E comunista! Ou esqueceste, Otelo? Ora! Mas, se queres bancar o cego tudo bem. Parto agora, pois sou teu amigo e não quero participar desta chacota contra a tua nobre e honrada pessoa!

OTELO FIDÉLIX: Ca-Calma, Iago, me metralhaste com munições que ferem toda minha alma. Como podes saíres assim? Vamos beber algo, um uísque, e conversarmos melhor.

IAGO BOLSONARO: Ok, amigo, até porque perdemos tempo... Cássio já deve ter visitado tua esposa e, neste momento, já está em seu lar rindo de ti, assim como a tua esposa...

Ato III – Sala do Presidente do PCDem. Iago Bolsonaro está sentando no trono da presidência. Sandra Sherazade entra.

SANDRA SHERAZADE: Ora, ora, meu amigo Iago, conseguiste o trono tão sonhado! Soube que Otelo Fidélix, extremamente bêbado, não conseguiu esconder seu potencial ar de classe C, chegou em casa enlouquecido, agrediu tão violentamente a esposa que acabou matando-a. O nefando ex-presidente de nosso partido, agora eterno inimigo e renegado, está em todas as primeiras páginas policiais nos principais jornais do reinado, e seu fiel escudeiro Cássio Neves, devido ao amargo destino do amigo, perdeu qualquer possibilidade de substituir Otelo na presidência, devido ao vínculo que tinham um com o outro.

IAGO BOLSONARO: Sim, minha querida Sandra, vivemos, nesses tempos de extremismos, um breve período de conforto sem o mal estar de conviver com aquele bruto mouro. Otelo sempre foi muito passional em tudo; era óbvio que um dia sua Ferrari desabalada atropelaria alguém e sua precipitação o condenaria. Otelo me ligou naquela madrugada fatídica, informando o trágico fim de sua estúpida discussão com a esposa. Como um homem de bem, tive que abrir mão de minha amizade a ele e denunciar o fato às autoridades competentes. Otelo cometeu seu suicídio político, Sandra. Devido a minha denúncia, a minha comprovada honra com a verdade e a minha impostura contra os crimes realizados por políticos amigos ou inimigos, ganhei a tão almejada presidência do PCDem. É algo parecido com uma delação premiada, né? rs

SANDRA SHERAZADE: É verdade, querido Iago, foste competente em tua promessa, mas, quanto ao teu sonho político, lamento dizer-te que teu poder é grande, mas breve...

IAGO BOLSONARO (pela primeira vez, surpreso): Como assim, Sandra?

SANDRA SHERAZADE: Também tenho um compromisso com a verdade e carrego uma impostura ainda mais inflexível que a tua contra os crimes realizados por políticos amigos ou inimigos. Gravei aquela nossa conversa no dia do empossamento do presidente Otelo pelo celular. A essa hora, os outros membros do partido devem estar assinando a retirada de seu nome da presidência, após ouvirem a gravação. Nesses períodos de intensos protestos contra a corrupção de ambos os lados, eles costumam ser bastante rápidos. Daqui a pouco, estarão batendo aqui na porta.

Som de alguém batendo na porta.

SANDRA SHERAZADE: Não disse? Já chegaram.

IAGO BOLSONARO: Ora, sua vagabunda! Pensei que nós... Ora! O que ganhaste com isso, serpente asquerosa? 

SANDRA SHERAZADE: A indicação de meu esposo, Eduardo Temer, para a presidência do partido, querido, por sinal, ele está entre os que vieram te expulsar, logo nem adianta argumentar. E, por favor, contenha teus impropérios, é muito deselegante! Bem... Não quero mais tomar os poucos segundos que te restam no poder, Iago... Beijinho no ombro, querido, nos encontramos em outras manifestações contra o rei McDonalds depois que assumires um partidinho qualquer de menor expressão. Bye, bye!



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