segunda-feira, 9 de julho de 2012

Solidões compartilhadas: O primeiro adeus de Raquel Freire


Hoje compartilho minhas solidões poéticas com a poetamiga Raquel Freire. Poeticamente freudiana (e assim como o mestre Freud, consegue trazer a psicanálise para a literatura e vice-versa), Raquel é uma profissional formada na Universidade Paulista em São Paulo, seus trabalhos são focados em Agressividade Infantil; Transtorno de Conduta e Transtorno Opositor; área Educacional e Transtornos de Personalidade. Atua na área de Pedopsicoterapia; Psicodiagnóstico / Aplicação de Testes Psicológicos; e Consultoria para Empresas e Escolas. Inspirada em seu primeiro paciente, Raquel construiu o seu poema-psicanálise de adeus (reparem que, como Freud, ela não desrespeita nenhuma regra de sigilo com o paciente, e sim desnuda o lirismo do consciente e inconsciente humano).
A forma como conheci a poetamiga com quem compartilho minha solidão poética é interessante e ainda me gerará um novo conto: vi Raquel pela primeira vez num evento do Sarau Solidões Coletivas com a atriz Ana Rachel Coelho. Depois a adicionei no facebook, onde a encontrei com o heterônimo Clarice Raquel Starling Freire. Passei a chamá-la de Clarice – que, na verdade, era uma referência da poetamiga à personagem de “Silêncio dos inocentes”, fato que não reparei por distração e falta de disciplina com meus (des)conhecimentos culturais rs - e, só algum tempo depois, ao nos revermos que ela me revelou não se chamar Clarice, e sim Raquel (a partir daí, fica sempre na minha cabeça, um possível conto chamado “Meu nome não é Clarice”, que, em breve, sairá de meu inconsciente coletivo-artístico, prometo!).
Fã-nática por CPM 22 (ainda tô devendo um poema para a banda em homenagem ela), autora do blog http://www.raquelfreirepsicologa.blogspot.com.br/,  Raquel Freire se considera “uma pessoa de bem com a vida, que busca estar bem com as pessoas, e que ama, dar e receber Alegria!” E é com alegria que hoje compartilho o poema de sua autoria, o qual ela me confiou. O texto merece destaque na contemporaneidade por resgatar aquele laço, imortal desde Freud, entre Literatura e Psicanálise. Um poema pra ser lido, analisado e refletido nos ids, egos e superegos de cada leitor, um adeus para a eternidade do inconsciente consciente de cada autor.  

O Primeiro Adeus

Como é difícil dizer adeus.
Dizer adeus ao teu sorriso, ao teu riso, aos teus olhos.
A esses olhos: digo adeus.

Dizer adeus a tudo que me confidenciou
A tudo o que vi
A tudo o que procurei em outros lugares além do que os teus olhos me diziam.

Encontrei nos livros o que expressar “no algo” que eu via, e não havia outro jeito de dizer.

O fim é um papel.
Um papel...
E qual foi o meu papel?

Eu sei, eu fiz tudo o que deveria ter feito e fiz.
Tudo foi necessário e hoje te encaminho para outra etapa da tua vida.

E agora meu querido, eu nada mais posso fazer, a não ser te dizer adeus.
E mesmo assim, saiba que é difícil ter que te dizer esse adeus.

Eu sei, tu ficarás bem.
E eu? Eu fingirei que nada sinto, que sou fria frente a isso.

O que é isso?
Bem sabes que é recíproco.
Reciprocidade nomeada de transferência e contratransferência.
Isso é tudo.
Tudo o que nos restou, e é também tudo o que sempre foi.

Mas mesmo assim: como é difícil ter que te dizer adeus...
Talvez seja assim por ser o primeiro, e que tortura será se todos forem assim.
Preferia me manter apática a tudo isso, mas não sou.
Descubro hoje que não sou essa frieza calculada que pressupunha ser

Seus medos e sua resiliência tal como as de um Batman, permearam e foram retratos de uma vida, onde seu passado encontra-se distante
E sua idade se faz sinônimo do eu que já não sou mais.

Pensei que hoje, anos findados de uma história oculta, os resquícios dela estariam protegidos pelo presente
E que eu, agora apoderada de uma posição, de um lugar, que supunha assegurar o não sentir.

Um lugar: todos nós temos um lugar, um sótão...
Acontece que alguns escondem morcegos, enquanto outros resplandecem fadas.

Você é o meu menino morcego, e espero que Machado de Assis esteja errado ao afirmar “O menino é o pai do homem.”

“Ai meu Deus”, como é difícil dizer adeus.
Esse Deus que eu não creio, que na verdade não existe, mas que digo por mero dizer.
Ser Deus é difícil, ou fingir ser, também é.

Como é difícil ter que te dizer adeus...

Mas apesar de acabar, saiba nesses versos que nunca terás acesso, muito do que eu dei nada foi diante do que recebi.

E se um dia a gente se encontrar, espero que se lembre de mim, e mesmo se não lembrar, eu jamais me esquecerei de ti.

Como é difícil ter que te dizer adeus...

Esse não é o momento para pensar no que sinto ao te dizer palavras de fim.
A hora é apenas para dizer adeus.
E agora então, te dou um abraço, e te digo adeus.

Adeus!

Raquel Freire, junho de 2010. Adaptado em 02 de junho de 2012 ás 03: 31 horas.

2 comentários:

  1. Que conteúdo!!!
    Talento para psiquê!!! rs

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  2. Carlos, amigo sempre muito querido e gentil, obrigada pelas lindas palavras, estou aqui profundamente emocionada. Só pude ler o post agora, e hoje durmo mais leve com o sensação que no mundo existem pessoas que fazem dele um espaço bem melhor, como você!

    Um grande abraço, Raquel.

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