quinta-feira, 7 de junho de 2012

Sono sem estrelas: A arte e o desastre de dormir em ônibus


           Chegar a mais um feriadão prolongado poeticamente poderia significar apenas deixar Teresópolis, a cidade onde eu trabalho e que gosto, apesar dos poucos laços além dos profissionais (tenho poucos, mas ótimos amigos por lá – por exemplo, o Max Vitor e a Natasha Kimus, que há certo tempo, devido à correria do dia a dia, não os vejo), e chegar a Valença, minha cidade quase natal, berço da minha poesia e que eu idolatro como musa maior, apesar de todos os crimes que os governantes municipais cometem ao ferirem a beleza da “princesinha da serra”. Chegar a mais um feriadão poderia significar apenas isso, mas a realidade sempre nos dá presentes cobrados com requintes de crueldade: sair de Teresópolis e chegar a Valença exige uma longa viagem de ônibus de, no mínimo, 6 horas de duração – isso caso você consiga o milagre de que os horários de chegada do Teresópolis x Rio coincidam com os horários de partida do Rio x Valença (em meus seis anos de idas e vindas, só consegui esse feito umas 6 vezes, ou seja, aproximadamente uma vez por ano). Mudaram as estações e nada mudou, amigos leitores: aqui estou eu mofando na Rodoviária Novo Rio e a velha espera me consome – alivio isso escrevendo agora para vocês.
            Como eu disse, a viagem dura no mínimo 6 horas, mas, na maioria das vezes, o tempo médio de viagem fica entre 8 horas / 8 horas e meia, devido não só à espera, mas ao tráfego (o Rio de Janeiro sempre deixa um engarrafamento guardado para as minhas viagens, é incrível; sem contar que a Rodoviária Novo Rio é uma das únicas da América Latina que consegue ter engarrafamento dentro dela, devido a grande quantidade de ônibus que chegam nela e as obras intermináveis que ela nos proporciona, sempre se desculpando pelo transtorno e para melhor nos atender, ai, ai...), a vagareza, as surpresas (o pneu do ônibus fura, o ar condicionado está ruim, o número de lugares é menor que o número de passagens vendidas), então é esperar outro e mofar, mofar...
            Todos esses espetáculos do caos rodoviário em cada viagem ao qual me lanço me proporcionam aquela irritante sensação de perda de tempo, de surgimento de novos cabelos brancos, o mundo todo em movimento e eu mofando. Por isso, criei a arte de dormir em ônibus – dormindo não sentiria o tempo passar e ainda economizaria horas posteriores nas quais gastaria no reino de Morfeu, deus grego e soberano do sono. É, na teoria, minha arte mereceria o troféu empreendedor de qualquer firma de economia de tempo, porém, como sabemos, sou humano e, logo, cometo erros por não ter o cálculo exato de uma máquina, como um despertador, por exemplo. E a vida é sacana, meu amigo; quem não sabe disso é porque está sendo sacaneado direto e só sorri pra ela por ser otário de não perceber as peças que a vida nos prega.
            Voltando à arte de dormir em ônibus: minha artimanha pra ganhar tempo me proporcionou horas e horas de sono desconfortável, em poltronas reclináveis e torturadoras do bem estar do artista dorminhoco que vos fala. Mas dormi, dormi muito! Aí que vêm os desastres dessa arte, apontados nos episódios abaixo:
a) Episódio I - Tornei-me um jedi: Uma vez, acordando após praticar a arte de dormir no ônibus Teresópolis x Rio, o passageiro ao meu lado me disse: “Chegamos! Boa sorte e que a força esteja com você!”. Temo ter falado dormindo com o anônimo mestre jedi. A arte de dormir tem esse risco: você pode ser surpreendido por um sonambulismo, um lado seu que você desconhecia completamente. Saí do ônibus me sentindo um Luke Skywalker amarrotado, preparado pra enfrentar o Darth Vader rosa, ou seja, o ônibus Valença x Rio da Util, que, é claro, só sairia da rodoviária duas depois de minha chegada – já avisei aos leitores: os horários quase nunca coincidem.
b) Episódio II – O império contra-ataca: Às vezes, por se tratar de um transporte coletivo, esbarramos com seres inimigos da arte de dormir em ônibus. Esses seres creem na obscura força de sua arte narrativa e memorialística e desatam a contar a você todas as histórias da vida dele. Eles falam, falam, falam cuspindo, cutucam, dão tapinha nas costas e sua arte de dormir em ônibus está arruinada, condenada ao esquecimento nessa viagem. E pode piorar: esses seres das trevas às vezes abusam da impunidade e ficam no celular ouvindo músicas populares (entre eles) ou assistindo a novela da Globo (sempre que vejo o símbolo dessa emissora me lembro do terrível Globo da Morte da Guerra nas Estrelas I) sem fone! Não há arte jedi de dormir em ônibus que consiga vencer tanta agressividade e desrespeito aos direitos universais humanos de conviver em paz com os seus próximos!
c) Episódio III – O retorno do jedi: Nem sempre consigo a poltrona voltada para a janela, onde encosto meu rosto e batendo suavemente a cada solavanco do ônibus vou exercendo minha arte de dormir. Logo, quando isso não acontece, fico na poltrona do lado do corredor e, como a tendência é sempre tentar encostar em algo, quando caio no sono acabo caindo também nos ombros do passageiro vizinho e desconhecido. Às vezes recebo leves cotoveladas – que não me afetam, pois estou acostumado às pancadas de minha cabeça na janela do ônibus –, sermões, cotoveladas mais ferozes a empurrões. Me recupero dos sustos e tento exercer minha arte de dormir em ônibus sem ferir a liberdade dos estranhos vizinhos.
d) Episódio IV – A ameaça fantasma: A arte de dormir pode ser desastrosa se não estiver preparado. Quando estou realmente muito cansado (às vezes, saio direto do trabalho pra me aventurar em viagens pelos ônibus do Brasil), durmo demais. Esse fato não teria nada demais se todos os motoristas se lembrassem de conferir que todos os passageiros tenham descido do ônibus. Mas eles nem sempre lembram. Resultado: já acordei dentro de diversas garagens sem saber nem mesmo quem eu sou e como vim parar ali. Logo que cai a ficha, o guerreiro deve levantar-se, aceitar ser motivo de chacota entre os funcionários da garagem e pegar um ônibus que o leve de volta ao destino ultrapassado a milhas e milhas dali.
e) Episódio V – A guerra dos clones: Outro fato perturbador é quando o seu passageiro vizinho também comete a arte de dormir. E o pior: ele consegue dormir antes de você e ainda ronca demais. Nessas horas, me concentro, mas nem sempre consigo isolar o estrondo adversário – nesses casos, me rendo à velha sensação de perda de tempo.
f) Episódio VI – A vingança dos Sith: Esse é o episódio mais tosco de minha saga. De tanto exercer a arte de dormir em ônibus, consegui um feito inédito: após chegar a Valença, virar a noite de bar em bar, dormi no primeiro circular para a minha casa. E a viagem, que duraria míseros 15 minutos, duraram 3 horas. Fui e voltei diversas vezes, até que o motorista – já cansado da presença deste sonolento passageiro – me intimou que eu finalmente descesse. Pronto: caí no poço das fofocas de meu bairro como um homem perdido, levado pelos vícios, Anakin Skywalker caindo no poço da maldade e virando Darth Vader. Custei a dar continuidade ao ritual de dormir em ônibus após isso, mas, hoje, mais velho e experiente, pago menos micos em minha arte jedi de ‘sonolescência’.
E os leitores podem reparar que modifiquei um pouco minha arte: agora não durmo o tempo todo – uso parte do tempo para escrever, até que o notebook descarregue e se dirija ao reino de Morfeu comigo. Advirto aos adolescentes que não tentem a arte de dormir em ônibus, quando estiverem em excursões escolares, pois, nesse caso, o império do mal – sim, nossos colegas de escola – podem abusar de seus feitos, ora passando pasta em seu rosto, ora fotografando e postando fotos horrendas do artista em estado de sono profundo, ora fazendo coisas terríveis e inimagináveis quando você, jovem jedi, dedica-se à arte sonolenta.
Bem, estou de volta a Valença; mais uma vez o percurso foi arrastado e cansativo, um pouco de angústia pelo tempo perdido de viagem, mas ainda temos todo tempo do mundo: dormindo ou acordado, é hora de curtir o feriado. 

2 comentários:

  1. Ah,Carlos, só mesmo um mestre na arte de dormir em ônibus para arrancar gargalhadas de mim numa quinta à noite depois de um dia PRA LÁ DE CANSATIVO...é muito bom passear por seu blog e deliciar com suas OBRRAS DE ARTE...estou ficando viciada.Parabéns!!!!!

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  2. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK e ainda faltou história nessa sua vida em trânsito! Ótimo texto, ainda bem q depois de tudo no fim das contas vc sempre chega em Valença_mesmo cansadinho- rs rs rs

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