sexta-feira, 30 de março de 2012

Poemeto em estado de náusea drummondiana


Parte de ontem e parte de hoje, vegetei; um mal estar físico me atacou e me estagnou por quase 24 horas. Não gosto quando me sinto mal e me vejo obrigado a repousos que não escolhi - minha mente não para e agita o corpo debilitado. Então do mal estar físico vem alguma dor moral (ou imoral, nunca sei o que determina fielmente o quê), algo que eu chamo de "náusea drummondiana" ou "estado poético de inquietação com o mundo enquanto estás encarcerado em ti mesmo". Somando a ainda ausência não superada de Millôr, posto uns versinhos; não são pra entender, são ataques livres de um lirismo que persiste no ex-rebelde sem causa. Os versos abaixo surgiram em momentos passados de inquietação, numa brincadeira de troca-troca de estrofes com Wilson Fort; saiu assim meio em estado bruto e, assim incompleto e rarefeito, o permaneço:

Nada certinho se não compreendes o meu recado
Talvez a minha paz seja uma amiga do meu eu passado
E se hoje ela não apraz
Talvez esse meu eu esteja ultrapassado:
- Meu amigo, está tudo errado!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Poemas piadas pra um Brasil sem graça: Quem disse que Millôr morreu?

Millôr Fernandes curtindo sua eternidade
e rindo da nossa cara triste
Primeiro foi Chico Anysio, agora vai o Millôr Fernandes... Com a morte de tantos gênios divinamente sacanas, o Brasil está ficando definitivamente sem graça. Mas, dessas tais mortes não falarei mais nada; em homenagem ao Millôr, poeta da vida, dessa tal de Morte só falarei poemas piadas. Em homenagem à eternidade de Millôr, em busca da restauração da graça perdida, alguns inéditos poemeus a favor da vida que, sempre sacana, jamais se acaba:



Elegia da morte da piada no Brasil de agora

Deus, triste com o mundo que criou,
Primeiro convocou Chico Anysio
E depois levou o Millôr...

Agora o céu sorri eternamente
Enquanto a chuva chora o Brasil que sobra
O Brasil incompetente...

Haicai sem métrica pra piada sem graça

Ah, triste piada!
Millôr sorri pra eternidade
Enquanto eu choro a sua falsa efemeridade!

KKKKKK

Piada máxima: Millôr morreu
Kkkkk Só os tolos lamentam seu triste fim,
Pois não sabem que um Millôr só morre
Se for de tanto rir!

Longe das lágrimas dos parvos,
Lá vai Millôr todo safo
Com a eternidade a lhe sorrir!

A última sacanagem de Millôr

Millôr sempre foi sacana
Veio a morte buscar o cara
Ele, eterno, lhe dá uma banana!

Poemeu da negociação da Morte com Millôr Fernandes

“É assim, Millôr”, a Morte explica,
“Hoje eu levo a tua vida,
Amanhã você ressuscita com tua poesia!”

Millôr sorriu-lhe e nada disse,
Pensou que a Morte era uma alucinação triste;
Para o poeta da Vida, a Morte não existe!

sábado, 24 de março de 2012

Poema da Esquina: Tempos em que sol e chuva beijavam tua natureza indomável

Ontem, Juliana e eu tivemos a oportunidade de vermos um tributo espetacular ao Clube da Esquina, com a banda de Filipe Torres. Pra quem não sabe, o Clube da Esquina foi um movimento musical, extremamente revolucionário, que aliava rock progressivo e psicodelia com elementos musicais brasileiros e caipiras, surgido na década de 1960, em Minas Gerais. Deste movimento, surgiram grandes nomes da música brasileira, como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturinni, entre outros. Parte do rico repertório musical deste grupo pode ser ouvido a partir dos álbuns "Clube da Esquina" (considerado, pela revista Rolling Stone, como o sétimo melhor disco brasileiro de todos os tempos) e "Clube da Esquina 2".
Inspirado no tributo realizado pela banda de Filipe Torres e por várias audições do excelentíssimo álbum Clube da Esquina, construí meu tributo poético a esse movimento que tanto enriqueceu nossa música brasileira. O poema contém citações das canções "Tudo que você podia ser", "Cais", "O trem azul", "Saídas e bandeiras n.ºs 1 e 2", "Nuvem Cigana", "Cravo e canela", "Um girassol da cor dos seus cabelos" e "Paisagem da janela", e busca, como o eu lírico da canção "Tudo que você podia ser", resgatar velhos ideais libertários, esquecidos pelo interlocutor da música citada e adormecido em todos nós, que vivemos afogados na rotina maçante de nosso acelerado tempo. Também busquei colocar elementos da natureza, caipiras e mineiros, no conteúdo de meu tributo poético, pra resgatar outra característica das canções do grupo do Clube da Esquina. Espero que gostem desse meu poema da esquina (quem sabe sai o Poema da Esquina 2, em homenagem ao Clube da Esquina 2?):

Poema da esquina 
(Ou Tempos em que sol e a chuva beijavam 
tua natureza indomável)


Lembra quando sol e chuva beijavam tua natureza indomável
Antes de deixares teu corpo adequar-se a esse terno alinhado
Pela agulha do medo?
Lembra daquela esquina de sonhos de onde víamos o cais invisível
E mergulhávamos, peixes na era de aquário,
Bebendo as novidades do tempo que agora não lembras mais?
Lembra do trem azul que atravessava a ferrovia de teus olhos negros
Clareados pelo sol que bronzeava o girassol em teus cabelos,
Antes tão leves e soltos – hoje tão cinzas e estéreis
Quanto as moedas que te caem dos bolsos?

(Hoje eu tive um pesadelo e ele tinha teu rosto...
Como um sonho bom pode virar um trailer de terror?)

Ah, se visses a nuvem cigana dançando sobre tua cabeça...
Ah, se visses minhas mãos guiando tua consciência pra de volta ao salão
Dos corações abertos pela liberdade do vento...
Sentirias o tempero moreno de cravo e canela na revolta libertária,
Retomarias o rumo de tua casa sem paredes
E, mais uma vez, dormirias comigo o sono dos peixes livres sem redes...

Larga teu casaco de medo, amigo, esquece as minas da ilusão prateada
Que o sol que nos toca tem o calor do corpo despido e mestiço,
Amante das verdadeiras minas revolucionárias!
Está calor, imagino que mesmo da janela lateral de teu escritório maciço
Podes rever a agitação das águas revoltadas
Daquele velho ribeirão esvaziado de ti, transbordado em lágrimas...
Por isso mergulhemos de novo, amigo, antes que a liberdade resseque,
Mergulhemos, amigo, pra dentro desse rio sem amarras!

Arcadismo Teen: Semeando Poesia no Campo dos Sonhos


Filme realizado a partir de poemas produzidos pelos alunos do 8.º Ano (atual 9.º Ano) da E. M. Alcino Francisco da Silva, inspirados na aula sobre Arcadismo, projetada por mim nas aulas de Português do ano passado. As filmagens foram realizadas no cenário bucólico de Água Quente, distrito de Teresópolis/RJ, em 2011, e só agora são reveladas, pois alguns dos poemas declamados estavam concorrendo no Concurso Nacional de Poesias da ALAP, no Rio de Janeiro/RJ, e não poderiam perder o ineditismo até que fosse divulgado o resultado da disputa poética - por sinal, alguns desses textos foram premiados no concurso citado.
O projeto, realizado por mim, em parceria com os professores de História, objetivou, a partir do estudo do movimento iluminista na Europa, divulgar o movimento poético árcade brasileiro; gerar, entre os alunos, uma reformulação desse estilo poético a partir de produção textual inspirada na realidade dos educandos; e conscientizar, poeticamente, o valor de seu próprio ambiente rural e natural.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Poema seduzido: Estranha a contragosto

Hoje é o Dia da Sedução! Por esse motivo, posto hoje um poema, selecionado para o meu próximo livro "Foda-se e outras palavras poéticas", dedicado a essas musas que nos seduzem, vindas não sei de onde, lindas, líricas, sempre estendendo nossos horizontes para noites além. Hoje falo pouco; em silêncio fascinado, as relembro e vejo-as passar por mim, com aquele sorriso perverso de quem tem o dom de seduzir e levar um, milhões de versos meus pra si:


Estranha a contragosto

“Uma noite foi muito”
Marcelo Mirisola, “Joana a contragosto”

Na calada da noite, ela fala grandes palavras
Dicionário de cama
Sentimentos abertos no quarto fechado
Movimento de lábios, grandes lábios
Furioso cio
As luzes apagadas ocultam sua insegurança
Não sei quem ela é, de qual planeta vem
Marte ou Vênus
Antes rendida em sua roupa rendada
Agora nua, vencedora
Em minha cama de histórias inacabadas
Em minha colcha retalhada de suor
Sobre mim
Oferece-me o corpo para pequenas mortes
E as pequenas mortes se repetem
Se repetem
Se repetem
Então os assassinatos acabam
E ela parte
De volta pra vida
Deixa-me em meu berço de utopias frustradas
Embalado pela melodia amarga
Do beijo doce do adeus
Não, ela não volta
Adeus...

quarta-feira, 21 de março de 2012

Poema progressivo: Depois do lado escuro da lua


Hoje posto um dos poemas mais árduos que me propus a fazer nesses últimos tempos. A pedido de Paulo Rodrigues, autor do programa de rádio “Simplesmente rock”, da radiovalença.net, faço uma homenagem a “Wish You Were Here” (1975), nono álbum da banda britânica de rock progressivo Pink Floyd. Produzido após o estrondoso sucesso do anterior “The dark side of the moon”, “Wish You Were Here” explora temas como ausência, indústria musical e a deterioração mental (devido ao grande consumo de drogas) de Syd Barrett, um dos fundadores do grupo. Sendo o primeiro álbum da banda sem Syd, o disco sofreu críticas contraditórias (os fãs de Barrett o detestaram, enquanto outros foram mais otimistas com os novos rumos da banda), enfrentou o desafio de manter o sucesso do trabalho anterior, proclamou o início da liderança de Roger Waters no processo de composição e concepção da arte pinkfloydiana e nos deixou dois grandes hits da banda: “Shine on You Crazy Diamond” e “Wish You Were Here”.
Para construir meu tributo poético ao álbum, me baseei nos temas originais desse nono trabalho pinkfloydiano, incluindo citações dos dois hits citados. Me inspirei também no relacionamento azedo da banda com a mídia da época, somado ao encerramento da música “"Welcome to the Machine" com sons de festa, sintetizando, segundo Waters, "a falta de contato e sentimentos reais entre as pessoas". Por isso, meu poema ambienta-se em uma “festa das estrelas sem luz”.  Outra declaração de Waters que influenciou o poema-tributo foi a que ele explica parte do que motivou a composição de “Shine on You Crazy Diamond”: "porque eu queria chegar o mais perto possível do que eu senti [...] um tipo de melancolia indefinível e inevitável sobre o desaparecimento de Syd". Nesse ponto, lembrei de diversos conhecidos e amigos que perderam a consciência de si mesmos, rendidos ao uso abusivo de drogas e, assim, construí o interlocutor a quem meu eu lírico se dirige. 
Acrescentei a tudo isso a grata experiência de ter vivenciado e curtido um dos melhores tributos a Pink Floyd, feito pela banda valenciana The Black Bullets, onde tive a oportunidade de ouvir versões primorosamente bem executadas de “Wish You Were Here” e “Shine On You Crazy Diamonds” (destaco o nome da banda valenciana no verso “Balas negras de progressiva tristeza atingem a multidão alegre e omissa”).
Espero que o progressivo poema que construí possa satisfazer os anseios de Paulo Rodrigues e os olhos pinkfloydianos dos amigos leitores. Que todos estejamos sempre de volta, após atravessarmos o lado escuro da lua.

Depois do lado escuro da lua 
(ou Como eu queria que você estivesse aqui)     

Depois de conhecer o lado escuro da lua,
É difícil fingir-se feliz para os rostos sem faces
Nas festas das estrelas sem luz...
Chega a doer os lábios o sorriso triste que ensaio
Para esses seres alegres que pensam com os dentes
E mastigam a gente;
Chega a escorrer lágrimas no sorriso amarelo,
Quando retorno a essas festas pálidas,
Cheias de estranhos vazios,
Cheias da ausência de você...

Ah, como eu queria, como eu queria que você estivesse aqui
Pra podermos rir dessas coisas tristes,
Pra não me sentir tão só e ruim nessa festa que não escolhi
Mas só vejo eles, vários sujeitos simples e indeterminados,
Nenhum composto, nenhum vestígio de nós
Nessa purpurina cinza sem o sol de sua presença...
(Quando atravessamos o lado escuro da lua,
Eu voltei e você ficou
Admirando diamantes loucos do satélite de luz artificial
E hoje esses falsos brilhantes consomem seus olhos,
Enquanto carrego o peso da volta sem você... )
Ah, como eu queria, como eu queria que você estivesse aqui!

E a festa continua, um porre de luz falsa em minha escuridão autêntica,
Sorrisos efêmeros atropelam minha tristeza permanente,
Olho pro céu e procuro seu corpo perdido no lado da lua que não vejo,
E não o reconheço, não me reconheço, a noite segue e me persegue
Com suas trevas brilhantes iluminando minha falta de luz...
Balas negras de progressiva tristeza atingem a multidão alegre e omissa,
São meus olhos procurando seu brilho invisível no meio dessa falsa alegria
É ruim, mas eu preciso continuar meu baile de melancolia, minha dança sem par;
É muito triste, mas eu preciso continuar, mesmo sem você...

E é por isso que eu acompanho esses falsos festejos
Desses donos do mundo, desses escravos sem alma;
Preciso aprender os passos deles pra fazer o contrário,
Pra reaprender a sorrir de verdade,
Pra reaprender a sorrir mesmo sem você aqui
E, quem sabe, assim você retorna?
Quem sabe, assim você novamente me sorri
Sem essa ausência brilhante, sem essa farsa calma;
Desespere, amigo perdido, desespere e me espere,
Porque eu vou continuar até reencontrar
Você!

Sim, eu queria muito que você estivesse aqui...

Solidões compartilhadas: O que mais Arthur Leite pode dizer?

Aproveitando a temática sobre amadurecimento, sobre o que ser e não ser, o que esperar, mais uma vez compartilho minhas solidões poéticas com o grande poeta carioca, atualmente residindo Valença, Arthur Leite. O que mais posso dizer? Nada demais, nada tanto assim; pois o poema de Arthur Leite fala (ou melhor, diz) por mim, por si, por ti, por todos nós:


Que posso dizer mais
que doeu?
Então eu amadureceu
cresceu
morreu
Deu seu lugar
pra mim
Alguém tão perto
sem que soubesse
Assim, completo
posso esperar por você
Num dia como esse
Para sermos gente no plural
Todo dia é a mesma luta
Insisto em ter esperança
Por falta de opção

É pra rir 

segunda-feira, 19 de março de 2012

"Restos" (pra não nos tornarmos restos)



Refletindo sobre a última postagem do blog, o poema “Resumo”, de Camila Canêdo, e sobre a concepção do álbum “Wish You Where Here”, do Pink Floyd (que, em breve, receberá um poema-homenagem, a pedido do amigo, leitor e radialista Paulo Rodrigues), relembro hoje um poema originalmente publicado no meu quinto livro “Eu e outras Províncias”, de 2008. O poema que posto hoje, “Restos”, foi elaborado após um reencontro com velhos amigos da adolescência e reflete sobre as questões do crescimento humano, as mudanças e estagnações com a maturidade e a luta contra a acomodação em nossas vidas; um poema para uma segunda-feira nublada, um poema que propõe que, mesmo nos dias cinzas, mesmo na falta de novas perspectivas, devemos continuar, seguir em frente, ser sempre algo mais, antes que nos tornemos apenas meras lembranças empoeiradas de nós mesmos. A foto, tirada por mim com a câmera do celular quando parte da vidraça de minha janela se estilhaçou no teto vizinho, é uma tentativa de releitura desses momentos em que nossas janelas originais se quebram e avisam que é necessário nos reconstruirmos. pra ser lido ouvindo "Dias vermelhos", de Uns e Outros.

Restos

O que restou de nós?
O que restou dos nós?
que naquele jardim de emoções novas
nos amarramos
em armar
amar
ramos
de árvores delinquentes
nascidas na inconseqüência da juventude
inquietude
subindo nos galhos da vida
como macacos darwinianos
evoluindo pra depois cair
mas as raízes que nos caracterizam
também nos aprisionam
Nossos domínios são apenas uma ilusão
arrogância oculta da nossa limitação
atitude
altitude
pulando o muro pra novamente cair
Pretensiosos demais
ansiosos demais
demais para o bem ou para o mal
Assombrando a cidade opaca
absorvendo seu tempo estático
nos deixamos tragar pela melancolia
e agora a distância marca nossos olhos
Lágrimas no café da manhã
(o mesmo café forte e esquecido de todas as manhãs)
a tarde de domingo pra lembrar
a noite de segunda-feira pra esquecer
Você quer matar as saudades
enquanto eu penso em morrer
Não quero outra volta
revolta
Não quero lembrar, não quero esquecer
Quero outra vida
(foi assim que começamos)
plantar uma árvore
ter um filho
escrever outro livro
quero coragem de mudar o que restou de nós.






sexta-feira, 16 de março de 2012

Solidões compartilhadas: Resumos poéticos de Camila Canêdo

Hoje compartilho mais uma vez minhas solidões poéticas com a poeta valenciana Camila Rocha Canêdo. Atualmente residindo em Angra dos Reis, Camila já iniciou suas solidões compartilhadas de forma vitoriosa: seu poema anterior “Primeira pessoa” (caso não tenha lido ainda, vai o link: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/10/solidoes-compartilhadas-primeira-pessoa.html ) ganhou, com mérito, o Concurso de melhor poema publicado no prana puro (grupo de artistas amigos do facebook), promovido pelo blog Zine Mundo Underground. E a premiada poeta retorna ao blog com “Resumo - um poema dos tempos em que viver doía.”

Hoje eu sou
No máximo
O lugar onde vivo
O chão em que jogo o cigarro que fumo
E sendo tão pouco
Quase sumo
E porque não me assumo
Padeço
E esqueço
As horas que passam
As noites que durmo
As coisas que quero
Hoje eu sou assim
Quase um resumo

quarta-feira, 14 de março de 2012

Punk poema: Lobopoeticotomia


Não esperava, mas aconteceu, súbito e fulminante como uma canção de Ramones; um, dois, três! Passeando à noite por São Caetano/SP, após o show da banda Dooelo que não aconteceu devido a uma forte chuva à tarde, Juliana e eu descobrimos sem querer (ai, ai, estranho nos surpreendermos desinformados num mundo que às vezes peca por excesso de tanta informação) que o Grito Rock estava rolando no Espaço Cultural Cidadão do Mundo e que haveria, como apresentação principal da noite, a banda punk hardcore Lobotomia. Assim como nossos ânimos se reacenderam (estávamos quase apáticos diante de um sábado de eventos fracassados), assistir ao show do Lobotomia também ressuscitou um velho ímpeto punk adolescente em mim (aquela vontade de socar o vento, xingar o governo, entortar a retidão retardada da nação, agitar a cabeça até lobotomizar aquela parte do cérebro que vive estagnada, acomodada na rotina servil). Lembrei do Lucimauro Leite, do tempo em que ouvíamos em fitinhas demo K-7 e LPs independentes as novidades das bandas alternativas. Essas fitas e LPs, adquiridas pelo Leite a preços módicos e muita procura, nos traziam a perspectiva de um futuro revoltado e mais bem refletido, menos otário e alienado para os absurdos do mundo; sim, havia esperança e paz na alma inquieta naquelas canções que nossas mães consideravam como meros gritos e/ou barulhos sem sentido; havia uma vida nova e harmônica em cada distorção. Ouvir Lobotomia, assisti-los ao vivo me ressuscitou tudo isso; renovou aquela veia punk adormecida em mim, ah, eu estava vivo de novo, o Lobotomia, com sua apresentação hardcore impecável me ressuscitou do marasmo da falta de sonhos, decretou sepultada aquela melancólica sensação de estagnação de nossas eternas revoltadas; é, eu estava vivo outra vez! Em homenagem ao Leite, a pessoa mais punk e consciente que já conheci, em homenagem ao Lobotomia, essa banda do caralho (e foda-se quem não gosta do meu palavreado), ofereço o punk poema que posto hoje. Espero que gostem (mas, se não gostarem também, desta vez, não serei educado – perdoem-me, mas... 1, 2, 3, vão sinceramente se foder!    

Lobopoeticotomia

Um, dois, três
Se vai andar pra trás
É melhor nem começar
Um, dois, três
Se o império contra-ataca
Com armas de silêncio
É melhor saber gritar
Um, dois, três
Se tem medo de falar
Cuidado pra não ruminar
Um, dois, três
Se nos querem de quatro
É melhor ser animal bravio
É melhor o coice preparar

Um, dois, três podres poderes
Querem nos oferecer
Jaulas enfeitadas com vista pro mar
Um, dois, três minutos em frente à tevê
E eles já têm você
Animal inofensivo nas grades comerciais
Um, dois, três e nocauteiam seu ser
Beija a lona do circo da estupidez
É melhor morrer pra sobreviver
É melhor fechar os olhos pra enxergar
É melhor deixar a tevê fora do ar

Um, dois, três
Se quer se conhecer
É melhor você pirar
Um, dois, três
Se a razão está com eles
É melhor anarquizar
É melhor não raciocinar
Um, dois, três
Se é pra padecer
É melhor se lobotomizar
Um, dois, três
Se quer se libertar
É melhor enlouquecer

Um, dois, três
São só gritos o que eles ouvem
Mal sabem que o som bem feito
Faz o teto de vidro deles ceder
Um, dois, três
E gritemos mais uma vez
Um, dois, três
E a rachadura vai crescer
Um, dois, três
Sempre, sem éter na mente
Um, dois, três
Conscientes, mais uma vez! 

domingo, 11 de março de 2012

Solidões compartilhadas: A crônica felina de Larissa Souza


Hoje compartilho minhas solidões com a jovem cronista Larissa Souza, mais um fértil fruto da árvore de talentos artísticos da E. M. Alcino Francisco da Silva. Apaixonada por animais, adora o filme “Marley e eu” (já assistiu a ele 3 vezes e confessa ter se emocionado todas as vezes que o viu), é fã-nática pelas músicas da cantora norte-americana Adele e possui uma escrita autêntica, cativante, extremamente emotiva e de raro lirismo. Posto hoje o primeiro de muitos textos que essa promissora escritora me enviou, para que os leitores possam conhecer sua arte escrita que os meus olhos tiveram o prazer de ler antes de todos vocês.
  
O único que me entende

Será que ninguém percebe que ainda existe uma criança aqui dentro de mim? Que chora demais, que sorri demais, que ama demais, que faz tudo em excesso!
Ninguém compreende que continuo sendo aquela menininha que ama estudar, que é fissurada nos amigos, que confia em todos e que só se ferra! A menininha bobinha que não sabe o que faz! Será que ninguém sabe como eu sou de verdade? Será que ninguém sabe que consigo sentir todos os sentimentos possíveis em um minuto?...
Será que ninguém sabe que a coisa mais preciosa que tenho nesse mundo é meu gatinho (de estimação), só porque ele não fala, não me magoa, mas sim porque ele me entende, é a única coisa que sabe quem eu sou e que está sempre ao meu lado mesmo que eu esteja suja, feia...
Mesmo que eu o esnobe, o coloque para fora, mesmo assim, ele me ama com todos os meus defeitos e não critica nenhum deles, só ele sabe quem eu sou e não o que eu tenho... só ele....

sábado, 10 de março de 2012

Poema etílico: Papo de Bêbado


Chuva intensa outrora, sereno melancólico agora. Juliana e eu vivemos a desventura do show da banda Dooelo, em São Caetano/SP, que não aconteceu; num hotel numa outra cidade, ainda esperando o que não haverá. Numa hora dessas, só nos resta o plano B: Beber e outras cositas más (só pra maiores de 18 anos rs). Em homenagem a tudo isso, oferto aos leitores o meu “Papo de Bêbado”; pra ser lido bêbado e com moderação (em breve, será lançado o clipe deste poema, com declamação embriagantemente embriagada da poeta, intérprete e professora Rosangela Castro):

Papo de bêbado

Pô, não dá, cara... Você quebrou o negócio
se é que há negócio sem dinheiro,
se é que há negócio no ócio do sono.
Estou dormindo de olhos semiabertos,
janela aberta, portas fechadas;
sinto fome de amizades que não despertam,
sinto fome se é que há fome depois que se come,
se é que há fome dormindo acordado...
Então... então nada!
Nado ao nada na mariposa melodia
de um temporal sonoro de alegria
que não sinto, que não ouço
- eis o vulcão, eis a erupção
do que não explode,
do que não há erupção;
eis as lavas das gotas de vinho
que descem em minha boca
ora suaves, ora secas,
mas sempre tintas, fixas fantasias de Baco ardente!
Bebo, bebo, bêbado, putz!
a boca e a bebida numa comunhão
de felicidade sem união, sem fim...
Pô, não dá, cara, para conciliar as palavras,
porque você nada disse, você não quis,
então bebamos felizes
por tudo que você não disse,
por tudo que você não quis!...

Solidões Compartilhadas: O mundo de solidão de Lauany Rodrigues


Hoje compartilho minhas solidões poéticas com Lauany Rodrigues, aluna do 7.º Ano da E. M. Alcino Francisco da Silva, atriz do Grupo Teatral Escolar “Luz, câmera... Alcino!” (o qual eu sou diretor e atesto o talento formidável dessa brilhante garota) e dona de um lirismo todo seu. Desde o ano passado, Lauany tem se dedicado a compartilhar em versos suas ânsias, seus amores e suas angústia; tanto que, no início deste ano letivo, ela me entregou diversos poemas de sua autoria. Deixo para os leitores uma dessas pérolas poéticas da promissora artista Lauany Rodrigues:

Mundo de solidão

Hoje choveu, mas logo depois veio o sol.
Mesmo assim, me sinto sozinha
num mundo escuro
cheio de solidão.
Olho para um lado, guerra;
para o outro, conflito,
então paro pra pensar:
mas que mundo é esse
cheio de confusão,
às vezes sem história para contar,
mas sempre com essa solidão no coração?
Nem mesmo um sorriso,
nenhuma poesia
consegue tirar
o desejo de guerra do coração...




quinta-feira, 8 de março de 2012

Poemas femininos: Soneto Espancado


Mesmo estando um pouco atrasado (tenho trabalhado demais, amigos leitores, fato que dificulta uma atualização mais diária do blog), não posso deixar de destacar os meus parabéns às mulheres pelo Dia Internacional da Mulher, comemorado neste dia 08 de março (data em que, em 1857, foram queimadas diversas operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, porque fizeram uma grande greve, reivindicando melhorias em suas condições de trabalho. Um ingrediente poético a mais nos foi neste 08 de março de 2012: é o dia do lançamento, em Portugal, do filme “Florbela”, baseado na vida de uma das maiores poetas e portuguesas de todos os tempos, a extraordinária Florbela Espanca (1854-1930). E, pra homenagear uma data tão especial e, ao mesmo tempo, uma poeta tão ousada e vibrante, posto hoje o poema “Soneto Espancado”, publicado em meu quinto livro “Eu e outras províncias” (2008). O poema, escrito em formato de soneto (muito usado por Florbela Espanca, o soneto é uma forma poética clássica que consiste na construção de um poema com 2 estrofes de 4 versos – 2 quartetos – e 2 estrofes de 3 versos – 2 tercetos –  versos com 10 sílabas poéticas – versos decassílabos – e rico em ritmo e rimas), é uma homenagem aos eu líricos ousados e angustiados da maravilhosa poeta portuguesa Florbela e a toda mulher que preserva seu brilho, estilo e ousadia seja no Dia Internacional da Mulher, seja em qualquer outro dia do ano. Espero que gostem (posto também o vídeo com o trailer do filme “Florbela”, com a esperança de que ele chegue logo aos cinemas brasileiros).

Soneto Espancado

Não. Nem cantigas de amor, nem de amigo;
Trago apenas um soneto de angústia,
Quatorze versos de abandono e fúria,
Métrica das dores que vêm comigo.

Rasga os versos se evitas o que digo;
Rasga-me! Estou pronto para a renúncia
(Já conheço-a até com certa volúpia).
Na casa da ilusão, não faço abrigo.

Mas, se atentares pra estas linhas tortas,
Verás que este meu frio também comportas
No oculto do peito, no obscuro da alma.

Chora, flor bela, chora cada espinho
Destes versos sem calor, sem carinho;
Sente... assenta... neste jardim sem calma. 


domingo, 4 de março de 2012

Apenas mais um beatle delírio apaixonado


Ontem Juliana e eu fomos a um show da banda cover dos Beatles KRYA no Casarão Itaipava, em Teresópolis/RJ, a convite de Elizabeth Morgan. A banda KRYA (que já foi a Liverpool a convite da gravadora EMI Odeon) fez uma apresentação impressionante, deixando, no ambiente e entre o público presente, aquela vibração de paz, amor e alegria beatlenianas, como se o mundo parasse por um segundo e percebesse que a única e imensa vida possível estaria contida naquela sonho solo psicodélico de harmonia e satisfação (lembrei do meu mestre Alexandre Fonseca, beatlemaníaco-mor; se estivesse no show, ah, ele iria à loucura! rs). 
Em comemoração ao show, em homenagem a todos que até hoje carregam nos ouvidos as melodias dos fabulosos garotos de Liverpool, dedico o poema beatlemaníaco que posto hoje aos corações (e olhos) sonoramente apaixonados de meus amigos leitores:   

Eu me sinto um Beatle quando te beijo
(A revolução beatle em meus lábios molhados pelo teu beijo)

Vamos juntos, garota,
Deixemos o submarino amarelo
Mergulhar sobre as águas do céu e
Oh, yeah, deixemos que seus raios frenéticos
Toquem nossos rostos colados
No princípio de um eterno beijo.
Sim! E, enquanto os nossos olhos nublam
Nesse extenso momento de intenso desejo,
Que um céu de diamantes se arremesse
Em nossa provocada noite provocante,
Que seja concretizada a revolução do amor,
Meu amor, meu eterno amor...
Vamos juntos, garota,
Que as flores desse romântico beatle delírio 
Permaneçam férteis e firmes no jardim
Após o eterno beijo,
Como se fossemos um só,
Como se o eterno estivesse em nós,
Sem nós embaraçados ,
Somente nós enlaçados,
Nós de amor, nosso eterno amor...
Sim! Vamos juntos, garota,
Provemos que o sonho ainda não acabou!

Solidões compartilhadas: O mar poético de Claudia Ekklesia




Hoje compartilho minhas solidões poéticas com a inédita poeta-aprendiz paulistana Claudia Ekklesia (atualmente reside em Paracambi/RJ). 
Manicure, artista na pintura de unhas e amante do mar, Claudia resolveu ampliar seus horizontes escrevendo poemas. Publico aqui seu primeiro texto poético, rico em calor e paixão, seu primeiro ato de amor com a linguagem poética. Acompanhemos os primeiros passos, as primeiras pegadas de palavras de Claudia Ekklesia na imensidão das areias poéticas: 

Ah, gostaria de te falar...
Falar do mar...
Das belezas e simplicidades que nele há...
Falar do seu olhar,
Esse olhar profundo como o mar...
Que me faz mergulhar por instantes
E sentir a brisa que nele há
Nessa imensidão de ondas e calmaria,
Eu me apaixono pela vida
E por todo ser que há.

Você é e sempre será o meu imenso mar...

sexta-feira, 2 de março de 2012

Verse essa canção: Ensaio on the Road sobre a "Ganância"

Voltei, leitores! Lamento a falta de atualização do blog nos últimos tempos, mas foi um recesso necessário para novos textos. Durante esse meu breve desaparecimento, fui a São Paulo conhecer a banda Road, grupo de rock de Santo André, cujas músicas conheci a partir de contatos com membros da banda em redes sociais. Desde a primeira vez que ouvi as canções da banda no soundcloud (aí vai o link: http://soundcloud.com/roadoficial ), fiquei fascinado com a energia, qualidade sonora e criativa (rara em bandas de rock nos tempos atuais) da Road. 
Fiquei tão entusiasmado com o som deles que decidi começar bem o ano após o carnaval: fui a São Paulo e tive a oportunidade de ouvir o Road ao vivo no Hangar 110. E não me arrependi pela aventura; o show valeu cada quilômetro que percorri para vê-los (muito em breve, vou em outro show deles, com certeza! E quem acha que sou louco, tudo bem, o opinador fica com a razão e eu curto mais um show de rock feliz da vida rs).
Depois de tudo isso, me impus um desafio: fazer um “Verse essa canção” (que, há tempos, não fazia) com uma canção da banda Road. Escolhi a canção que mais me chamou atenção para a excelente sonoridade: a “Ganância”, que nos traz, num ritmo vibrante, os dilemas da vida atual (“Viver, crescer, só pra poder ganhar / Se for, mentir, fingir, só pra ganhar”). 
Para construir minha versão poética sobre a canção “Ganância”, me inspirei na letra da banda, é claro, e no final da protagonista do livro “Ensaio contra a cegueira”, de José Saramago: ela era a única que não tinha sido contaminada pelo surto de cegueira coletiva, no enredo da história. No final, quando todos voltam a ver, ela abre a janela e, após toda loucura dos últimos tempos, ela tem um trágico momento de desespero: imagina que, enquanto todos se recuperaram, ela estaria ficando cega. Porém, após fechar os olhos, percebe que “a cidade ainda ali estava”. E assim é nossa realidade: guiamos cegos e sem direção e, depois de uma louca jornada, num instante de euforia coletiva, temos a impressão de estarmos doentes e cegos. E assim, também, tentei guiar meu novo “Verse essa canção”, dedicado à banda Road, aos roaders de todo Brasil e a todos que buscam a ‘luz que nos fortalece’:   

O dia já amanheceu
Qual o caminho você escolheu
Não tema nada siga o coração
O comodismo é pura ilusão
Não tenha medo não se desespere
Busque a luz que te fortalece
Há coisas que não se podem ver
Também há coisas que se devem dizer

A lua mais uma vez cede ao sol o reinado celeste de luz e sombras. Acordo com os raios solares e, da janela, vejo diversos caminhos, mas permaneço estagnado em meu quarto semi-iluminado. Tento vencer o comodismo, essa estranha ilusão de falta de ação, movimento... Vejo imagens de um futuro imprevisível, beijo o raio de sol que ilumina minha cabeça, tento sentir o coração; há palavras em mim que não se silenciam e gritam por um ato aflito, qualquer ação, mesmo que não tenha nenhuma razão.

Cegos são os olhos enganados pela razão,
Vivendo nesse mundo louco sem direção
Até que ponto você vai chegar, pra ganhar

Estou cego, a razão excessiva contamina minhas retinas, enquanto o mundo segue sua rota explosiva para o nada, para a falta de direção. E continuo sem saber aonde quero chegar, o que quero ganhar...

Viver, crescer, só pra poder ganhar
Se for, mentir, fingir, só pra ganhar

Se seguir a razão desses tempos loucos, devo apenas fingir para viver, mentir para poder ganhar e vencer assim é me perder de vez.

Um sentimento superficial
Eu já nem sei o que é real
Só não posso mais me iludir
Até que ponto vale mentir
Admitir o erro é um recomeço
Tanta sujeira que até me perco
Num planalto de corrupção
Esse é o dilema de uma nação

O sol em minha janela me esclarece que o mundo que ele ilumina é um clarão de hipocrisia. O universo surreal em meu dia a dia, a janela recém-aberta, a vida sempre vazia... A realidade mente sorridente ao desejar-me bom dia, enquanto o planalto nos planeja um novo assalto, a realidade mente sorridente enquanto não admito a sujeira em minha casa e nas moradas alheias, a realidade mente sorridente e as cáries em seus dentes são a nossa vergonha exposta, a minha, a nossa omissão

Cegos são os olhos enganados pela razão,
Vivendo nesse mundo louco sem direção
Até que ponto você vai chegar, pra ganhar

E não quero mais sorrir pra essa realidade falsa que requebra em festa, diante da minha janela. E não quero mais pensar no que posso perder; estou cansado de me perder pra deixar essa eterna estupidez me ganhar.

Viver, crescer, só pra poder ganhar
Se for, mentir, fingir, só pra ganhar

Não fecharei a janela desta vez, porque a realidade me arde em sua falsidade. Chega de fingir viver, chega de mentir pra crescer, estou cansado de me perder só pra ganhar. Retorno pra mim mesmo, seja qual for a dor no caminho ou o preço que custar, eu vou lutar.



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