sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Crônicas da eterna infância: O namorado da lua

Hoje deixo-lhes a crônica "Namorado da lua", premiada com Menção Honrosa na Categoria Crônica no V Concurso Internacional de Prosa e Verso da Sociedade de Cultura Latina do Brasil (SCBL), em Mogi das Cruzes/SP, em 2001. Foi publicada na Revista da SCBL de 2001 e republicada 9 anos depois em meu livro de contos "Diários de solidão" (meu livro de prosa é marcado pela esquizofrenia de gêneros literários - ora é prosa poética, ora é poema, ora é crônica, ora é conto mesmo, ora nem mesmo eu sei). Pra ser lida ouvindo "No mundo da lua", do Biquíni Cavadão e "Meu mundo e nada mais", de Guilherme Arantes:

Namorado da lua

Quando criança, observava a lua e as estrelas e rabiscava-as no caderno. Sempre queria tocá-las, mas a realidade não permitia. Então chorava e sonhava... invadia meu caderno fechado e deixava a imaginação me levar por um tapete mágico para um universo unicamente meu.
Sonhava com a lua. Num dia, ela me dizia que se escondia porque não havia retocado a maquiagem e, no outro, perdia o brilho e me deixava perdido em sua cratera. Numa noite, ela brilhava mais do que nunca e, na outra, criticava a falta de ar. A lua era minha companheira solitária, minha primeira namorada. Às vezes, ela reclamava que eu piscava para as estrelas (mais parecidas com deusas gregas olhando de perto), mas eu não tinha culpa deste meu fascínio natural. Em alguns sonhos, elas me tocavam enquanto dormia com a lua, abraçado ao espaço. As estrelas representavam meu lado safado, minhas primeiras tentações ao pecado. E minha namorada, enciumada, virava minguante e me abandonava em sua parte mais escura, mas eu sabia que, no outro sonho, ela estaria nova para me perdoar.
Então era outro sonho e outro e outro... Caía no colo da lua, desafiava a lei da gravidade, conversava com marcianos que passeavam pelo meu sono. Eu era um mágico - transformava a sinfonia da utopia misturada à melodia grave de meus roncos em um universo unicamente meu... porém o truque ainda trazia falhas: sempre voltava para casa, para o mundo dos adultos, seres que se autodenominam inteligentes, mas, eu sei, as estrelas riem deles. 
Meus pais sempre reclamavam de problemas financeiros e eu me perguntava: “Pra que dinheiro se eles não têm o direito de sonhar?” Não encontrava resposta, mas sabia que, um dia, seria neste estranho mundo que iria ficar para sempre. Recusava esta idéia, combatia meu tormento com bolo de chocolate e ki-suco de limão e fazia da ilusão necessidade de esperança.
Nestas horas melancólicas (não sabia qual era o seu significado, mas achava bonita esta palavra), corria para a pracinha do centro da cidade, sentava num banco e praticava minhas mágicas acordado. Olhava para o chafariz e imaginava o mar. Procurava não respirar para o coitadinho do ar não se perder em minhas narinas. Queria ser feito de sonhos para não morrer no corpo de um adulto. Infelizmente, neste desejo, não podia contar com Papai do Céu, pois Ele também devia ser adulto. Então rezava para Dona Morte me transformar num anjo com asas, auréola, harpa e tudo mais que eu tivesse direito. Só não iria viver nas nuvens. Moraria na lua, próximo das estrelas. Mas minha vontade sempre acabava na minha realidade: sozinho, num banco de praça, a rezar.
E foi numa manhã que a desgraça aconteceu: acordei maior, grande demais para caber em sonhos. Conheci a lógica e a tal da matemática, minhas palavras começaram a conter gramáticas demais, minha lua me traiu num eclipse com o sol, as estrelas se tornaram lágrimas brilhantes no céu e, agora, só penso em status, teorias químicas, aulas de física, contas em débito, despesas do lar e um lindo caixão coberto de jóias, ouro e dinheiro, muito dinheiro! Aprendi até a fumar e dizer “sim,senhor!” quando o patrão pisa no meu sapato!
Mas, às vezes, olho pro céu em noites de lua cheia e, num surto de esperança, começo a delirar. Nestes momentos, imagino que a imagem que a lua traz não é a de São Jorge enfrentando um dragão, e sim a de um menino que, rindo de mim, me diz: “Quem sabe, um dia, amigo, eu volte pra te buscar?”

2 comentários:

  1. Dispensados os comentários. Abraço e continue escrevendo bastante!!!

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  2. Muito lindo. Conheci seu blog através da amiga Helene Camile, no Face. Sou grande apreciadora da prosa poética, que é o que me parece seu texto, assim como os do Mia Couto. Parabéns!

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