quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Clipoema: Contando os pingos


Ontem, durante a chuva que caía sobre a serra teresopolitana, senti o peso de seus pingos nos corações apreensivos dos teresopolitanos (principalmente os daqui do interior, do campo, de algumas das áreas mais atingidas pela catástrofe das águas naquele sombrio e trágico 12 de janeiro). Enquanto a chuva desliza delicadamente nos olhos de espectadores de cidades não atingidas, cada gota que cai sobre Teresópolis tem o peso de uma lágrima que corta; a chuva machuca e reabre cicatrizes de medo e angústia que nenhum sol é capaz de estancar, por melhor que seja sua capacidade de criar arco-íris de ilusões.
Por isso, posto este clipe do poema "Contando os pingos", publicado no livro "Eu e outras províncias" (2008). O poema é um delírio emo meio Fernando Pessoa pessoa, uma crise existencial causada pela incompreensão dos pingos da chuva que só molha o eu lírico. O vídeo foi um projeto experimentalista de dar efeitos expressionistas a esse poema que me angustia e que só entendo em dias melancólicos:

Contando os pingos


Hoje andei na chuva
e algo em mim estava sorrindo
e algo em mim estava feliz sozinho
e algo em mim estava estranhamente feliz
e algo em mim estava feliz com frio...


Você não entenderá este poema,
você não entenderá este poema...
Você contará os pingos da chuva,
dos is, das métricas sem uso;
você não perceberá o pingo de lágrima
dessa estranha chuva;
os olhos molhados na chuva,
os olhos recebendo lágrimas da chuva...


Pingos caindo, se repetindo;
serpentes caindo, se repetindo;
eu estava sozinho, estava sozinho;
sozinho eu, eu, sozinho;
estranhamente sorrindo,
estranhamente indo;
como a chuva que cai,
eu caindo...


Você não perceberá a saudade sorrindo
enquanto eu contava os pingos
das lágrimas nos olhos caídos
diante da chuva, diante da chuva...

3 comentários:

  1. Sabe, Walter Benjamin ficou intrigado com os soldados que voltavam da guerra ou de pessoas que passaram por experiência traumática e que nao compreendiam o nível de violência tão extrema, a que tinham sido submetidos. não conseguiam exprimir qualquer coisa, não era possível narrar tais experiências, não era possível compartilha-las. o grau de violência é tão profundo que a linguagem não consegue atingir a razão e a inteligibilidade.

    as chuvas, nao só aqui no Brasil, mas no mundo todo, cada vez mais se repete com resultados que denomino genocídio estatal. esses fenomenos, hoje, para mim são micros holocaustos. Walter, um judeu, por desespero de ser pego, preferiu suicidar. e nos, que faremos? o que fazemos ou o que fizemos. seremos apenas reféns?

    Esses episódios terrificantes das chuvas, dos tsunamis, dos abalos sísmicos são utilizados como justificativas de arrecadação de dinheiro para encher o bolso de uma horda política, econômica de caráter individualista globalizante, que me deixam desorientada e completamente perplexa, assim como deixavam e deixam os soldados e as vítimas dessa violência gratuita.

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  2. O poema me pareceu mais belo ainda Carlos, pois lembro de vocês recitando, tão sincrônico qual os pingos da chuva. Um poema de tristeza bela ou bela tristeza. Não posso mensurar a saudade daqueles que perderam tudo ou quase tudo naquele dia. Tão apropriado a repetição de seus versos para representar a mesma repetição de erros e descasos das autoridades.

    "cada gota que cai sobre Teresópolis tem o peso de uma lágrima que corta; a chuva machuca e reabre cicatrizes de medo e angústia que nenhum sol é capaz de estancar, por melhor que seja sua capacidade de criar arco-íris de ilusões."

    Tão lindo issso que voce diz Carlos. Os teresopolitanos realmente ficaram machucados.

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