quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Poema rock: O amor é uma arma cercada de rosas

Hoje a postagem demorou, mas saiu, meio nublada (como o céu que me observa da janela), mas inédita. A razão da demora deve-se ao fato de eu ter construído um poema inédito, a pedido da minha ex-aluna Bruna Rodrigues, que fizera aniversário no dia 27 de dezembro e me pedira de presente que falasse sobre amor ferido e fosse inspirado nas canções de Guns n' Roses. Ok, o desafio foi aceito e aí vai o meu poema gunsn'rosiano de oferenda para minha ex-aluna e para todos os fãs da banda (na minha época, o Guns n' Roses era uma das bandas mais escutadas, porém pouquíssimos admitiam ouvi-los, pois entre as tribos de grunges, punks e metaleiros era de mau tom - sob riscos de tapas na cabeça, cuspes e desprezos - admitir que se ouvia, de vez em quando, e até gostava da banda liderada por Axl Rose. Apesar de todo preconceito, pois a maioria o achava uma modinha e/ou muito comercial/banda de rock pra menina, viado e otário, todo ser humano roqueiro que se preze já ouviu e curtiu sorrateiramente um LP - sim, na época, era LP - da banda. E o sucesso - inseparável da eterna polêmica do velho adolescente Axl, que ameaçou furar o evento - foi comprovado pelo fenômeno de vendagens de seu álbum "Greatest Hits", lançado no Brasil em 2010, e pela legião de fã-náticos que aguardaram por horas e horas o show da banda no último dia do Rock in Rio 2011). 
Para construir o poema, me inspirei nos eus líricos meio dilacerados das  letras das canções do Guns e fiz referências dentro do texto ao nome e símbolo da banda (Guns n' Roses) e ao título e refrões de alguns de seus sucessos, como "Paradise City", "November rain", "Patience", "Civil War", "Live and let die" e "Yesterdays". Espero que a aniversariante Bruna Rodrigues e demais fãs (dos mais escandalosos aos mais enrustidos) aprovem a minha ousadia:


Uma arma cercada de rosas


É uma arma cercada de rosas esse amor que te atiro;
Por isso a fragrância feroz no gatilho sensível,
Por isso a dor do espinho quando recebes os meus tiros.

Sabes como é difícil manter a vela aquecida
Pra acionar as pólvoras de um amor perfeito,
Depois que as chuvas frias de novembro molharam o quarto rarefeito
(É arma sem balas certeiras esse amor que te trago em batalhas perdidas).

È uma arma clandestina esse amor eterno e furioso;
Por isso o coldre pesado, trabalhoso de carregarmos nesse ano rancoroso,
Por isso as saudades da Cidade Paraíso nesse ambiente perigoso.

Sei como é difícil entender esse meu estranho ser e estar ao teu lado
A viver e a me deixar morrer – é simples e, ao mesmo tempo, complicado,
Depois que as chuvas do passado se mantêm presentes em nosso hoje desmoronado
(É arma sem garantias esse amor que te ofereço em triste e satisfeito agrado).

É uma arma sem lágrimas visíveis esse amor que te choro calado;
Por isso o falso deserto aonde há extrema umidade,
Por isso essa salva de tiros num estampido quieto e sem vontade.

Sabemos como é difícil manter nossa guerra civil civilizada,
Pois sempre haverá corações feridos em nossa terra bombardeada,
Depois que as tempestades da tua paciência pereceram nas chamas da minha ausência
(É arma traiçoeira esse amor que te ofereço em promessas desfeitas).

É uma arma cercada de rosas medrosas esse amor que te atiro
Por isso o medo de espantar as pétalas depois do tiro,
Por isso esse permanente espinho que carrego comigo e, com o qual, te firo
(Mesmo quando não quero, eu ainda te firo...). 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Clipoema: Apenas um sonho numa noite de luar

Posto hoje um clipe do poema "Apenas um sonho numa noite de luar", de minha própria autoria. O poema, ainda inédito em livro e abaixo publicado no blog, foi premiado com Menção Honrosa no "Poetando VI", concurso poético de 2009 do Grêmio Barramansense de Letras (GREBAL). O vídeo conta com a participação da poeta Juliana Guida Maia, dividindo comigo as cenas e o diálogo-declamação poético.





Apenas um sonho numa noite de luar

“Deixa-me tocar-te como o céu, estrela carnal...”
“Peço-te apenas que sonhe, pobre mortal!”

Assim começou nossa noite de luar:
eu sem tocar o teu astro
e tu com a condição absoluta
de ser minha musa ideal...

“Por que, estrela de desejos e curvas?”
“Porque a noite é breve, sonhador das ruas.”

E assim continuou nossa noite de luar:
meu desejo negado,
teu astro intacto,
iluminando a distância minha e tua...

“De que adianta meus sentimentos
se não me contento, linda estrela noturna?”
“Vale a beleza da dor desse momento,
o meu brilho de contentamento, vadio admirador da lua.”

Então acabou nossa noite de luar:
eu sem conhecer a primeira pessoa do plural
e tu a recolher as plumas de teu imponente carnaval,
aumentando para o infinito a nossa absurda distância,
deixando cada vez mais nua
a minha solidão.



Solidões compartilhadas: O "Ensozinhamento" de Roberto Siqueira


Quem compartilha suas solidões poéticas conosco é um dos poetas valencianos que mais admiro: o grande Roberto Siqueira, frequentador ilustre do grupo poético do facebook “prana puro” e autor de diversas obras-primas poéticas, publicadas em livros artesanais, produzidos pelo próprio escritor (guardo em minha cabeceira poética, parte dessa obras, presenteadas pelo próprio Roberto – entre elas, destaco a que possui a capa produzida pelo fantástico artista plástico Henrique Laurindo, e o romance “Mergulho”). A trajetória literária de Roberto Siqueira, jamais publicada em livros de formatos formais (talvez ele saiba que seu imenso lirismo não cabe nos formatos editoriais tradicionais, preferindo compartilhar suas obras apenas com amigos e leitores escolhidos por alguma seleção caoticamente embriagada de visão poética. Lembro-me que, uma vez, Roberto me disse que não queria que seus poemas fossem analisados/avaliados por artistas que ele detestava, fato que talvez lhe causaria náuseas de sua própria arte), a poesia de Roberto Siqueira me foi conhecida em contato direto com o autor; ele já despontava com seu obscuro opcional brilho poético e eu era um fedelho poeta (mesmo jovem, um poeta iniciante sempre será um fedelho, mesmo que não admita) em bate-papos filosófico-poéticos com Roberto Siqueira, de bar em bar, a cada noite que nos esbarrávamos uma dose a mais de literatura, álcool e solidão coletiva (sim, grande parte de nossas conversas poéticas me inspiraram material para a concretização do meu sexto livro “Diários de solidão: Quando a ausência faz companhia”). Eu não poderia jamais encerrar o ano de 2011, sem uma postagem compartilhada com a Pessoa de Roberto Siqueira (ou o Roberto Siqueira de Pessoa ou o Roberto Siqueira em Pessoa) e aí está uma solidão coletiva, com aplausos líricos de todos os fã-náticos da literatura mais pranapurada do universo (exageros nos elogios para a obra poética de Roberto não são hipérboles, e sim eufemismos, pois meu muito parece muito pouco depois que leio seus fascinantes textos):    

ensozinhamento

Até a aprendizagem é um consolo,
escolhemos para compreender
o que nos reconforta, o que tem a ver
com o nosso caso.

Não tenho uma ilha,
uma terra isolada, como Neruda.
Drummond também foi fazendeiro do ar,
Pessoa, guardador de rebanhos do interlúdio,
eu parei de escrever, como Rimbaud,

Aprendi, me acariciando,
que sou mutuário da preguiça,
nem pior nem menor por isso.

Por isso é inútil o grito, a porrada, a opressão,
porque a gente escolhe o ouvido,
a revolta e a participação.

Eras de solidão.
Toda mudança é interior,
por fora é casca, cosmético, impressão.
A gente não fala para ser ouvido,
mas entendido e permitido
em algum ponto.
Não bem um aplauso,
mas mesmo uma permissão, uma autorização
para um financiamento de uma pesquisa.

Pesquisamos o que completa o nosso caso,
acertamos, lustramos
a nossa terra, a maneira pela qual
as coisas seriam perfeitas
sob o nosso entendimento
mais prazeroso e confortável.

Mas cada heterônimo é um universo,
cada pesquisa é única,
todo proveito é específico.
Não conseguimos nos confortar juntos,
não estabelecemos o que seja nosso,
o que seja nós,
o que seja a rede, a trama
em que cada nó, cada ilha vive
a fazendar, a guardar, a mudar, a imprimir
pesquisa sobre consolo.

xxiii.ix.xi


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

George Harrison e eu: In Concert

A postagem de hoje é um capítulo concreto de minha saga poética harrisoniana: o vídeo de partes da minha apresentação no "Concert of George", tributo aos dez anos de morte do ex-beatle e grande músico George Harrison na noite de quinta-feira, dia 22 de dezembro, no Pesqueiro do Vitinho, em Valença/RJ:




segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Verse essa canção: Um poema de "pouca vogal" e muita esperança para "Depois da Curva"


A chuvinha melancólica de hoje me leva à estrada retrospectiva deste ano.  A revolta das águas em janeiro feriu a região serrana do Estado do Rio de Janeiro e, há pouco, atingiu mais uma vez o Sul do Brasil e diversas cidades de Minas Gerais. E a chuva continua a tocar sua guitarra insensível (veja esse meu poema georgeharrisoniano no link: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/09/george-harrison-e-eu-enquanto-chuva.html), a chuva não traz mais alívio imediato... Em razão do aniversário de Humberto Gessinger no dia 24 de dezembro, minha namorada, fanática pelas composições desse artista gaúcho, ouviu incessantemente as canções dele com a banda Engenheiros do Hawaí e, atualmente, com o Pouca Vogal. 
As melodias de Gessinger e Leindecker foram seduzindo meus ouvidos e, somadas à chuva que cai esporadicamente, me fizeram compor o “Verse essa canção” de hoje inspirado na música “Depois da curva”, hit do duo Pouca Vogal (por sinal, a agenda de shows do grupo neste ano privilegiou a região Sul e cidades de Minas Gerais – ambas as regiões, alvos de chuvas ferozes e insistentes).

A canção original vale a pena ouvir, por isso deixo-lhes um vídeo e o link do Pouca Vogal, pra quem não conhece esse ótimo projeto musical de Gessinger e Leindecker: http://www.poucavogal.com.br/. Na minha releitura da canção, um eu lírico tenta aliviar o desespero de um desabrigado pela chuva (como Virgílio guiando Dante no Purgatório na "Divina Comédia"),  levando-o pra além da curva da fatalidade crua, pra mais perto da esperança e poesia, elementos (quase sempre) mais sãos e menos cruéis que a ferocidade insanamente mortífera da vida real. Espero que gostem, espero que a chuva, pelo menos, diminua os acordes apocalípticos de sua guitarra insensível.



amanhã, talvez
esse vendaval faça algum sentido
dá pra se dizer
qualquer coisa sobre todo mundo

Ele pisa sobre as ruínas com um estranho sorriso. Enlouquecera? Talvez, talvez a loucura dê sentido pra falta de sentido. O vendaval de outrora é apenas uma brisa reflexiva que desliza em seu rosto de agora. Penso que sua loucura é uma esperança insana e bonita; posso ver e dizer qualquer coisa sobre ele, agora que seus olhos só olham pro novo horizonte, pra além do antigo universo destruído.

por hoje é só
vou deixar passar a ventania
talvez amanhã
vento, vela e velocidade

Mais uma vez a brisa suaviza a tristeza em seu estranho sorriso (a ventania levou suas alegrias sãs). Por qualquer motivo, seus olhos marejados velejam nos relevos de uma velha praia invisível, acessível na certeza esperança de um amanhã impossível de prever. Veloz, meus versos veleiros o visualizam no vento vil do volátil talvez...

mar azul
céu azul sem nuvens
logo ali… depois da curva
ali, logo ali, ali… depois da curva

E, depois da destruição, tudo é azul, cruelmente blues, o rosto dele se curva pra além da estrada, como se lá fosse ali, como se a travessia do purgatório sempre levasse ao alívio impossível. Absorvido por sua esperança azul, eu sigo seus olhos curvados e tento acompanhá-lo pra além do precipício. Me aproximo...

amanhã talvez
esse temporal saia do caminho
dá pra escrever
o papel aceita toda qualquer coisa

E, nos meus versos, o papel resiste ao temporal que o destrói. No meu papel, ele encontrará um novo caminho, um paraíso perdido que a chuva não corrói.

por hoje é só
vou deixar passar a tempestade
talvez amanhã
água pura e toda verdade

Ao seu lado, sinto a solidão que chove em seus olhos feridos pelo temporal. Ao seu lado, eu espero que a tempestade acabe e que o amanhã traga uma água menos suja e menos irreal.

mar azul
céu azul sem nuvens
logo ali… depois da curva
ali, logo ali, ali… depois da curva

E, ao seu lado, agora eu também vejo um sorriso além da estrada triste e nossa insanidade desobstrui as pedras cruas que machucam a curva; sim, vamos atravessar!...

ali, logo ali, ali… depois da curva
ali, logo ali
eu vi, eu vim, venci a curva

Estamos passando, sobrevivente da chuva, e a insanidade é a senha da sã salvação. Além das ruínas, depois das tristezas do temporal, passamos as pedras, só mais um salto lírico, louco companheiro, e sua nova casa está aqui, nós a encontramos, além da realidade turva, no azul sem blues da poética loucura. Utópicos, vencemos a curva e ali está ele sentado no sofá de sonhos, sem dor, salvo da total destruição. Ali está ele sorrindo feliz nos meus versos de ilusão...


sábado, 24 de dezembro de 2011

Papai Noel de bermuda: Natal na América do Sul


Hoje posto um poema de Natal bem otimista (fato bastante incomum nas postagens de meu blog), publicado no meu terceiro livro “Note or not ser” (2001). Um voto de esperança para os leitores, amigos e seguidores do blog, por um Natal mais brasileiro e sempre melhor (sim, às vezes, eu acredito que podemos nos renovar).

Natal na América do Sul

É Natal!
É dia de acreditar no que se duvida!
É dia do nascimento do Poeta-Maior!
É dia do triste libertar o sorriso escondido!
Não, não estou falando do sorriso amarelo
Que se abre só pra disfarçar
O presente indesejável que ganhou...
É dia do sorriso bem intencionado
Que se abre pela simples alegria
De, neste dia, ser lembrado!
É dia de ver Papai Noel de bermuda e chinelo
Distribuindo esperança pela América do Sul!
É dia do duende moreno
Que samba mesmo nos dias ruins!
É dia do sino tocar: “Belém, Belém, Belém do Pará”!
É dia mundial dos pinheiros
Que se enfeitam para a festa!
É dia de Natal bem brasileiro!
É dia de beber vinho como se fosse champanhe,
É dia de Natal!
Não, não estou falando do Natal comercial
Que dá dor de cabeça só de pensar
Se o dinheiro vai ser suficiente pra pagar
As contas do mês e todos os presentes...
É dia do Coração Natal!...
Deste coração que bate esperança
Por um novo sonho para os sonhos do passado,
Por um novo nascimento,
Por um renascimento melhor!

Solidões compartilhadas: As saídas poéticas de Paulo Ras


Hoje compartilho minhas solidões poéticas com Paulo Ras, poeta e editor-chefe do Jornal Gazeta Parnanguara. Nascido em Curitiba/PR e residente em Paranaguá/PR, Paulo tem como influências Mario Quintana, Vinicius de Moraes e Chico Buarque e apresenta em seus poemas um eu lírico meio gauche (expressão popularizada pelo poeta Carlos Drummond para caracterizar alguém inadaptado com sua sociedade) à procura de uma saída alternativa (e, por vezes, meio suicida) pra sua autossobrevivência (suas soluções são paradoxais, ou seja, poéticas). Destaco o jogo de pontuação desse poeta paranaense. Boa leitura, amigos!


Perder-se.
Nas entrelinhas do mundo.
Nas pausas da vida.
No sussurro da morte.
Parar.
E não viver.
Parar.
E não sorrir.
Por que então não partir?
Para qualquer norte,
Para qualquer anseio,
Para qualquer destino,
Um caminho sem fim,
Uma trilha sem rumo?
Perder-se,
Qual no começo do verso,
A melhor saída para não se viver a esmo. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Meus toscos poemas de Natal: A orelha lírica de Van Gogh


Mais uma vez, às vésperas das vésperas do Natal, nos vemos cada vez mais cínicos e castos nas trevas coloridas de nossas festividades de fim de ano. Neste momento tão especial, relembro aos queridos leitores que, há muitos anos, em 23 de dezembro de 1636, nasceu o escritor brasileiro Gregório de Matos, mais conhecido pela hipócrita sociedade colonialista brasileira como o “Boca do Inferno”. Relembro também que, em 23 de dezembro de 1888, o pintor pós-impressionista holandês Vincent Van Gogh corta sua orelha esquerda, a leva para um bordel e a dá a uma prostituta chamada Rachel. Em homenagem ao nascimento de Gregório de Matos (e a pedidos da leitora Helene Camile, que me pedira pra lembrar deste polêmico poeta) e à orelha de Van Gogh, presenteio os leitores com mais um poema inédito, a ser publicado em meu próximo livro “Foda-se e outras palavras poéticas” (previsto para ano que vem, a mais nova data do velho fim do mundo); um presente poético e indigesto como os homenageados.

A orelha lírica de Van Gogh
(ou A orelha de Van Gogh versejada por Gregório de Matos)

Uma orelha corto em vosso garbo
Como correção de meu autorretrato;
Dou arte a sábio e tolos
Assim como dais o rabo
A tarados e solitários.

Que minha orelha penetre em vosso quarto
Como presente de Natal amável e alucinado;
Escutarei sussurros de vossos amantes
E terei, em vossos tristes prostíbulos,
O lirismo mais sincero e mais errante.

Que minha orelha penetre em vossa ceia tétrica
Ao invés dos perus desconhecidos dos donos da ética,
Que, vestidos de moral e cívica,
Vos penetram de forma cínica;
A esses pintarei a pintura mais íntima e suicida.

Celebremos, Rachel,
Com minha orelha e o vosso rabo de mel
A festa lírica dessa nossa eterna lua de fel.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

George Harrison e eu: No bar Capítulo 1 e meio (Bônus Track)


- Hey, o sol voltou!
- Sim, here comes the sun... – ele responde a minha inusitada euforia com um tom leve e suave.
Após isso, ele volta a tocar. Estranho e paradoxal: o som alegre que agora sai da guitarra de meu amigo me traz um triste reflexão:
- Pena que poucos percebem a beleza de seu retorno...
- Isso não é triste? – sua voz melodiosa apenas constata uma pergunta resposta, sem revolta nem pranto. Mais algumas notas escapam de sua guitarra.
- Às vezes, penso que tudo isso é simplesmente um sonho...
- Não, isso não é um sonho. – mais uma constatação, sem euforia ou mágoa. – O mundo é muito sério e, às vezes, um lugar muito triste. Por isso, quase todo bem que sentimos nos faz pensar que estamos sonhando. Na verdade, ao invés de sonho, a vida, muitas vezes, é apenas uma grande brincadeira; pena que, com o tempo, perdemos nossa infância... – E outra nota escorrega de seus dedos suavemente chorada para a alegria de meus ouvidos.
Sim, agora entendo: sonhos são abstratos demais pra nos tocarem tanto... John nos avisou antes de sair: esse tipo de sonho, abstrato demais, acabou. Peço mais uma dose.
- Ok, amigo, então vamos brincar!



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Poemas cretinos: A pureza da indecência

Boccaccio
Bocage

Hoje o dia acordou ensolarado e mais casto, pois o dia 21 de dezembro marca a morte de grandes rebeldes da moral e do bom costume. Neste dia, faleceram Giovanni Boccaccio (1313-1375), Bocage (1765-1805), Kurt Tucholsky (1890-1935) e Nelson Rodrigues (1912-1980). 
O italiano Bocaccio é conhecido pela obra Decamerão, cujas narrativas são presenças frequentes em coletâneas de contos eróticos; Bocage foi um poeta português extremamente angustiado e, ao mesmo tempo, muito conhecido por seus ataques à sociedade nobre portuguesa, dedicando a ela diversos versos satíticos e eróticos; o alemão Tucholsky foi poeta, satirista e compositor de músicas de cabaré e o dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, considerado subversivo por alguns, foi autor de grandes peças, como “Bonitinha, mas Ordinária”, “A Dama do Lotação”, “Beijo no Asfalto”, etc, que atentavam contra a moral da hipócrita classe média carioca e desnudava os instintos mais pervertidos do cidadão comum. 
Em homenagem póstuma a esses falecidos perturbadores da moral cínica humana, dedico o poema cretino “A Pureza da Indecência”, publicado no meu terceiro livro “Note or not ser” (2001). Para ser lido ao som de “Lágrimas de crocodilo”, de João Penca e seus Miquinhos Amestrados:   

A Pureza da Indecência

Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas a sua companhia
E (quem sabe?) um bom bate-papo
(Bonita gesticulação dos lábios!)

Por que não vem conhecer meu apartamento?
Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas mostrar-lhe um lugar mais confortável
Pra gente (quem sabe?) conversar...

Posso tocar no seu queixo?
Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas observar um ângulo novo
Do seu rosto...

Posso descer a alça do seu vestido?
Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas saber se foi à praia
(Desculpe... a mão escorregou!)

Posso tocar o seu corpo?
Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas sentir sua vibração
(È que sou meio espírita, sabe?)

Posso tirar sua roupa?
Não tenha medo... Relaxe!
Pois de você não quero nada
Apenas livrá-la dessas vibrações negativas
(Já lhe disse que também sou ginecologista?)

Oh! Mas... por favor! Não me leve a mal!
De você não quero nada...
(Onde está a maldita caixa de preservativos?)
Por favor, não tenha medo...
(Achei!)
Relaxe!
Não vai doer nada
(Ou melhor... quase nada!)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

George Harrison e eu (bônus track): Um grande amor fora de si para "Sour Milk Sea"


Hoje o sol retorna aos nossos céus e seca o mar de leite azedo de meu tradicional mau humor com nossa (des)humanidade. Assim como o astro rei retoma seu trono no reino celeste, retomo os poemas georgeharrisonianos. A canção vítima de minha (sub)versão poética é a admirável "Sour Milk Sea", composição com a qual George Harrison presenteou seu amigo músico de Liverpool Jackie Lomax. A letra original sugere aos seus ouvintes que eles saiam da estagnação e abandonem esse “mar de leite azedo” no qual vivem. Na minha releitura, esse mar é substituído por um grande amor fora de si, que, ao contrário do mal citado na composição original, ele é um bem que deve ser mantido para a insustentável sustentabilidade de um casal, ou seja, na minha versão, a canção fala sobre as contradições comuns de dois diferentes se fazerem um e o paraíso infernal do amor a dois.

Amor fora de si

Eu lhe trago o mundo inteiro, mas não a satisfaço;
Ela prefere o Fluminense e eu torço pro Vasco;
Quando começo a jogar, descubro que ela já ganhou;
Se lhe mostro o azul, ela já trocou de cor!

Ela é o meu grande amor fora de si,
Se estou perto, me quer longe...
Ninguém sabe o quanto eu já sofri
Pra viver nesse lindo horizonte.

Se ela me mostra novas roupas, eu prefiro o nu;
Se ela fica à vontade, eu desconfio de tudo;
Se ela declara seu amor, eu finjo não crer;
O simples são coisas difíceis de se entender.

Eu sou seu grande amor fora de si,
Ela chega perto, estou longe...
Ninguém sabe o quanto ela me sorri
Pra eu não me sentir distante.

E, ainda assim, somos felizes na limitação;
Sofremos muito bem essa louca iluminação
E ninguém consegue apagar essa nossa luz,
Seguiríamos tristes sem essa nossa cruz.

Somos dois em um grande amor fora de si,
Não nos suportaríamos longe...
Ninguém sabe o quanto seria infeliz
Se ficássemos sempre distantes.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

In memoriam: Recado ao Senhor Rubem Braga

Hoje a chuva tem razões literárias pra chorar tanto em nossas terras intolerantes: faz 21 anos que o nosso maior e mais poético cronista, o grande e eterno Rubem Braga, faleceu (aconteceu num triste 19 de dezembro de 1990). A crônica inédita, de minha autoria, que posto hoje é uma homenagem a ele (o título é uma homenagem à crônica "Recado ao Senhor 903", de Rubem Braga - o número que dei ao Senhor Rubem é o do ano de nascimento do escritor) e uma reflexão sobre nosso mundo atual, despido do olhar poético de um dos maiores cronistas que o Brasil já teve:


Recado ao Senhor Rubem 1913



Rubem, ontem eu vi uma moça chorando na piscina. Era fim de festa e todos ainda fingiam sorrisos. A moça mergulhou na piscina de roupa e tudo, sem pudor. E tudo era festa naquele momento, até que ela chorou; sem pudor, ela calou todos os sorrisos fingidos daquela farsa festiva. E a água suja da piscina recebeu lágrimas puras, mas só meus olhos viram toda tristeza, Rubem, pois os outros ainda fingiam, todos fingiam, menos a moça triste na piscina festiva.
E hoje chove cada vez mais, Rubem, e todos fingem que as casas atingidas não atingem os sorrisos tristes dos que não procuram abrigos. Chove demais, Rubem, e as gotas divinas profanam o mundo com a lama infernal. As lágrimas daquela moça alcançaram os céus e agora essa chuva machuca e todos fingem não ver – é mais econômico desligar-se do mundo, desligar a tevê; é mais econômico economizar as vistas com a arte de nada ver.
Há muito tempo que só chove dor por aqui, Rubem, o mundo é uma bola oval a sorrir nos campos tristes da destruição total. E, entre uma chuva e outra, há muitas festas, muitas orgias, o mundo ainda finge que é uma bola redonda a rolar faceira por estádios felizes e bailes de pré-carnaval. Enquanto isso, o futuro escorrega pelas estradas de barro, sem planos de asfalto, e morre desabrigado numa casa na ribanceira, sem planejamento racional, sem saneamento básico. Só você acolheria minha melancolia eterna por tudo que se perdeu e eu não conheci, Rubem, só você concordaria que, por alguma lírica falta de razão, aquela moça derramava nossa falta de futuro naquela piscina suja; só você me entenderia...
Sinto saudades de você, Rubem, sinto muito por não ser você, pois só você saberia eternizar essa chuva de dor numa melancólica esperança bonita. Eu sinto muito, Rubem, eu sinto muito e a chuva da moça triste continua além da piscina, além das rugas nos sorrisos ressaqueados de mais uma festa pelo nada. A chuva chora lá fora e a moça que chove triste continua em mim...  



domingo, 18 de dezembro de 2011

Verse essa canção: Pagodeando com "Você não sabe de mim"


Hoje meu blog segue o gosto popular, “cheio de manias”. “Maravilha”: hoje o Raça Negra, grupo de pagode que “é paixão” da minha mãe Vanda Silva Barbosa, se apresenta no Clube dos Democráticos, em Valença/RJ. Em homenagem a mamãe e a todos que amam, sem vergonha de serem chamados de cafonas ou de qualquer outra injúria para os adoradores dos sucessos nacionais, o “Verse essa canção” de hoje é a minha releitura poética para a canção “Você não sabe de mim”, composição de Luiz Carlos e Elias Muniz, hit do Raça Negra. Os preconceituosos podem chiar “deus me livre”, não tenho medo, a postagem segue “cigana”, no ritmo do coração do poeta pagodeando aos pulos de um desesperado e eterno amor. 

Quem é você pra dizer o que diz por aí?
Pra julgar o que sinto no fundo do meu coração?

Ouço sua voz em outras bocas e ela fere meus ouvidos no bate-papo amigo com desconhecidos. Suas injúrias sobre mim são farpas de um amor cara-de-pau que nunca esculpi com a madeira nobre de meu pobre coração.

É, você não sabe da minha tristeza
Você não sabe, não sabe de mim...

Minhas lágrimas chovem errantes pelas ruas de suas ressecadas mentiras e você não vê que a tempestade em mim só quer ultrapassar as janelas fechadas de sua casa distante.

Você duvida do meu sentimento
Diz que sou insensível,
De pedra ou coisas assim
É, você não sabe da minha tristeza
Você não sabe, não sabe de mim...

E você duvida das chuvas de minhas certezas. E você petrifica minhas sensações mais macias. E você, sempre você, só você e eu sozinho no meu sereno aflito.

Diz que não ligo pro teu sentimento
E aí diz que não presto
A todo momento, por aí

Você fala, fala, fala, enquanto meu coração grita silêncios. Você fala, fala, fala sobre seus sentimentos, enquanto os meus falecem eternos em suas palavras falsas jogadas ao vento.

O que é que eu vou fazer?
Pra te abrir os olhos e ver
Aquele cara que sempre te amou
Que te ama e que te adora e que te quer
E às vezes chora
Se desespera e só você não vê
O grande amor que sinto por você

E, mesmo assim, o meu jardim cultiva as flores mortas de um amor que você não quer colher. E, mesmo assim, as minhas gotas de lágrimas molham os lagos desertos de um sonho que seu Éden expulsou. E, mesmo assim, minha declaração calada tagarela as vitórias de um sentimento glorioso que seu isolamento acústico derrotou: ah, sei que não acredita, mas eu sempre amei você, ah, verdade maldita, meu coração só quer amar você.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Samba-poema-enraizado-com-pê-agá: Homenagem ao conjunto Pelo Telephone

Hoje tive outra boa notícia: soube que finalmente, neste dia, terei a oportunidade mais concreta de assistir ao show do conjunto de samba de raiz "Pelo Telephone", da minha querida amiga, cantora, instrumentista e compositora Jô, que, ao lado de Bebeto, Maguila, Paulinho Lima, Raul Brinquinho e Maestro Antonio Rocha, agitarão a Praça da Bandeira, em Valença/RJ, às 21 horas, como parte da programação das festividades do "Natal Iluminado" na cidade. O nome do conjunto, cujo repertório resgata as maiores pérolas do samba de raiz, é uma homenagem ao nome do primeiro samba gravado no Brasil, em 1916, de autoria de Donga e Mauro de Almeida. 
E, em homenagem a esse fantástico conjunto valenciano que homenageia o tradicionalíssimo samba de raiz (outrora esquecido em nossa região até a banda surgir), faço meu samba-poema-enraizado-com-pê-agá pra comemorar o primeiro show deles ao qual assistirei bem de frente pro palco, de cara pros ritmos que governam os nossos líricos corações. Posto também um vídeo do samba que originou o nome do conjunto valenciano pra todos conhecerem a canção que iniciou o samba em nossa história musical. 

Meu telephone 
(Samba-poema-enraizado-com-pê-agá)


Ah, o meu telephone perdeu o pê agá
Agora é com efe de afugentar
E efe, no meu samba, não dá pra rimar
Ah, o meu telephone nunca mais ouvi tocar
Pois agora a onda é o tal do celular
Mas meu telephone velho nunca vou deixar
Na minha corda bamba, deixo como está.

E a pharmácia também perdeu o pê agá
Agora é com efe de afoguear
E efe, no meu samba, não dá pra remediar
A pharmácia dos meus tempos por aqui não há
Não tem mais remédio pra me medicar
É tudo genérico, mudaram todo gosto popular
Até meu samba honesto esses novos médicos querem manipular.

Mas no telephone velho eu vou continuar
E, do outro lado da linha, no seu ouvido calado, ele vai tocar
Pode ser hoje ou outro dia, mas você ainda vai me escutar
O meu samba eterno, do telephone velho com pê agá! 


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

George Harrison e eu (bônus track): Um velho tênis sujo para "Old brown shoe"

Essa é uma das (sub)versões poéticas-bônus track da minha saga georgeharrisoniana (como eu afirmara, no capítulo final "No bar parte 4" [vai o link: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/11/eu-sem-george-no-bar-parte-4.html ], as aventuras poéticas de meus eus líricos com George Harrison não tem fim). O poema de agora é inspirado na melodia irresistível de "Old brown shoe",  do lado B do single "The Ballad of John and Yoko", da fase de George ainda nos Beatles. Considerado pelo Mestre Alexandre Fonseca como "um dos rocks mais vibrantes da fase final da banda puxado por um riff de slide guitar eletrizante que introduz a melodia construída por uma sequência de acordes bastante variada e gráfica", a letra original "desfila uma série de referências às dualidades e contradições da vida e do amor"(Pra quem não conhece a canção original, posto também o vídeo dessa excelente música). 
Em minha (sub)versão poética, tais dualidades e contradições são trocadas pela resistência em manter-se firme com seus velhos ideais, apesar das trevas coloridas tentarem sempre te levarem para os 'novos' rumos da velha falta de identidade. O velho sapato marrom de George se tornou um velho tênis azul sujo, na minha composição - em referência-homenagem ao tradicional 'blue' antipósmodernocolorido dos blues e ao "All Star Azul" eterno de Cássia Eller. Tomei uma coça (parte da madrugada e essa manhã toda) pra que os versos acompanhassem, com algum sentido, a complexa melodia da canção original.  Espero que George Harrison, Mestre Alexandre e demais leitores aprovem minha ousadia:



Velho tênis sujo

Deixo a sapataria pra trás, pois agora os formatos são outros;
Alguns são deselegantes demais e outros demasiadamente longos.
Por isso eu ainda uso aquele velho tênis sujo...
Baby, outros nos levam a lugar nenhum,
Há estoques que queimam nessa promoção cinza por estilo nenhum.

E eu não tenho pique pra me erguer e inventar uma nova marca legal,
E, antes que outro sonho desmaie pálido entre nós e esse novo mal,
Parto, escapo com meu velho tênis azul;
Baby, eles nos querem em lugar nenhum,
Há estoques que queimam nessa promoção cinza por estilo nenhum.

Alguns inventarão um novo single
Com jingles ruins sobre novos estilos,
Não ligue, baby, pra o que eles dizem e usam.
Eu me mantenho e sei que eles somem,
Porque hoje os novos tênis
Não confortam a mim.

E eu posso ter pés imperfeitos,
Mas danço feliz com meu jeito triste,
Eles querem me confortar com novas trevas,
Mas eu ainda prefiro aquela da velha era,
Porque hoje os novos tênis
Não confortam a mim.

E mesmo que prove outros,
Eu fico com meu antigo tênis, não me entregarei,
Pode vir com outro All Star, que, mesmo assim, não comprarei,
Dirão que pisam livres, acham-se muito cool ,
Baby, eles continuam a nos levar a lugar nenhum,
Há estoques que queimam nessa promoção cinza por estilo nenhum,
Há estoques que nos queimam nessa sensação colorida pra lugar nenhum.



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